Vladimir Souza Carvalho 15 de dezembro de 2017

O ano vai se findando. Acho que o ano novo tem pressa de nascer. Daí ouvir gritar, de um lado, finda ano velho, e de outro, apareça ano novo, assuma o trono e conduza o destino de nós todos, simples passageiros desta caminhada limitada, a tirar da folhinha um papel, diariamente, dia de santo isso e dia de santo aquilo, para o ano, o atual, ora a se extinguir,  daí velho, se acabar logo nas profundas dos calendários passados, que se jogam fora, pela inutilidade que desponta ante os calendários novos que, como os antigos, também passam a ser pendurados nas paredes.

O ano é assim mesmo. Gastou seus dias, se finda, pede licença, diz que vai defecar, sobretudo se estiver agasalhado em terno, e desaparece nas caladas da noite, enquanto o fogaréu anuncia o ano novo, o rei morrendo e o novo rei assumindo o trono, viva o novo rei enquanto o corpo do antigo ainda queima da morte morrida, amanhã vai ser sepultado, com direito antecipado  a missa na meia noite, missa do galo que não me explicaram em tempo oportuno porque falta a galinha e o galo sozinho, solitariamente sozinho, não faz ninhada, mas é o que crisma o nome da missa, logo meia noite, quando nenhum galo canta, só os galos neuróticos  se acordam nessa hora, por ter um fogo queimando nas penas para sair do poleiro tão cedo assim, galo que não  habita mais a cidade, horizontalizada pela presença de espigão querendo furar o céu.

O ano que morre não é futuro, é passado, que pouco tem a ensinar porque o novo deve aprender sozinho as grandes lições de cada mês, não precisa da presença do velho, que se retira, não constando de história alguma que o ano velho se recusasse a ser sepultado, e, em consequência, não saísse  de cena, não deixando todo o palco para o ano novo, que, assim, cercado de puxa-saco e áulicos, vai anunciar seu ministério (ou seria secretariado?), sem abrir mão do direito de, aos poucos, ir desprezando seus doze próprios sustentáculos, porque é dezembro completando o período de trinta e um dias e ir desaparecendo, o dia anterior não volta, lição amarga que todos aprendem, na reiteração repetida, o novo cercado de salvas e de vivas, o velho, já sem acompanhante, a repetir, automaticamente, missão comprida, missão comprida, até a meia noite lhe devorar por completo, assinalando a hora sagrada do nascimento do novo ano  (27 de dezembro de 2016.)

Obs: Publicado na Folha de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.   

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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