Paulo Rebêlo 1 de dezembro de 2017

(www.rebelo.org)

Relacionamento a três consiste no seguinte: você, o bar e o garçom que lhe atende.

É difícil, porque nem sempre os três lados convivem em harmonia. E quando um lado complica sua vida, você ainda tem outro para gerenciar.

Nesse contexto metafórico-realista, o bar faz o papel do homem. Está sempre lá, incólume, imutável. O tempo passa e o desgraçado não muda. Só de vez em quando aparece algo diferente: música ao vivo, promoção, clone de cerveja às terças, clone de caldinho às quartas. Em geral, é sempre o mesmo, no lugar de sempre, com as mazelas de sempre.

Com todo hetero-respeito à categoria, o garçom é a mulher da metáfora. Digo, da história. O garçom é a mulher porque não existe coisa pior do que garçom cri-cri ou garçom estrela, aquele que se considera o ator de Hollywood só porque todo mundo o conhece.

Não raramente, o prazer de tomar uma cerveja depende do humor do garçom. Se ele estiver de ânimos alterados, prepare-se para um atendimento de má qualidade, para tomar cerveja quente e para nunca conseguir ficar bêbado por causa da demora de chegar outra garrafa.

Por fim, você é o urso. O azeitador de maquinário. Só entra quando há oportunidade, às vezes a pedidos. Claro, não fica restrito a apenas uma localidade etílica. Pode freqüentar quantos bares quiser, sem compromissos e sem neuras. Dá até para manter uma certa fidelidade: por exemplo, toda primeira segunda-feira do mês é dia daquele bar ali perto, daquele buraco acolá…

A VIDA É ASSIM
Todo relacionamento a três é complexo. O segredo é o azeitador não se deixar levar pela emoção. Às vezes ficamos chateados com o dono do bar, mas aí o garçom vem e lhe faz um agrado: descola aquelas últimas Bohemias que estavam escondidas lá no canto do freezer, que você tanto pediu quando chegou e disseram que não tinha mais.

Não podemos nos deixar levar pela emoção e deixar de freqüentar o bar por causa do dono. E podem anotar: dono de bar cabuloso é, justamente, aquele cidadão que não pratica esportes etílicos. Os melhores botecos são aqueles cujo dono é o maior papudinho. Só um papudinho para entender outros.

Ao mesmo tempo, como todo bom pap… digo, bom ranzinza, já perdi a conta de quantas vezes deixei de ir a ótimos bares por causa do garçom. E de tantas outras vezes que perdi contato com excelentes garçons porque o dono não respeitava clientes um pouco mais ranzinzas do que o normal. Enfim, como disse, é um relacionamento complexo.

Certos bares têm aquela história de: “senhor, o bar vai fechar, vai querer mais alguma coisa?”. É claro que vou querer mais alguma coisa. Em alguns bares, a ladainha é dizer que a cozinha está fechando. E eu com isso? Eu não vim para comer, vim para beber. Só que na hora de trazer a segunda garrafa após o fechamento da cozinha, já trazem a conta junto. Nessas horas não aparece ninguém para defender os Direitos Humanos.

Como é que vou querer mais alguma coisa se já estão me dando a conta e me expulsando do bar? Em diversas ocasiões, só voltei para bares assim por causa do bom atendimento do garçom e, não raro, até de um certo coleguismo entre nós – sem nenhum contexto homossexual, claro.

Tem bar que é o cúmulo do desrespeito: só vende cerveja longneck, que são mais caras e bem menores. Longneck é cerveja para quem não gosta de compartilhar o líquido precioso com os companheiros. Longneck não tem ritual, não tem adoração, não tem companheirismo. É coisa de americano.

Eu não volto em bar que só vende longneck. Questão de ideologia. Azeitador de maquinário também tem princípios, sejam eles quais forem.

CRISE DE CIÚMES
Garçom ciumento é o cúmulo do realismo etílico. São aqueles caras que fazem questão de sempre lhe atender, pois sabem que você trata bem, fala com eles de igual para igual, sempre deixa uma gorjeta no final e, às vezes, até puxa uma cadeira para conversar sobre as agruras da vida.

Esses garçons não gostam quando outro garçom chega perto – nem para limpar a mesa. Você vira propriedade. Qualquer semelhança com mulheres ciumentas talvez não seja coincidência.

Bar é um lugar sagrado, porém, garçons não fazem milagres; mas ajudam bastante. São profissionais. Os bons garçons sabem diferenciar o tratamento solidário do racional, quando necessário.

Ao chegar para beber sozinho, os garçons verdadeiramente profissionais conseguem reconhecer quando você não quer muito papo e está lá para afogar as mágoas, pensar na vida ou, simplesmente, para relaxar um pouco antes de voltar para casa.

Quando você chega acompanhado, o bom garçom identifica o “status” da companhia. Ele pode separar uma mesa mais reservada, no canto da parede, longe dos olhares curiosos; ou pode colocar vocês dois bem no meio do bar, naquele barulho, cheio de gente ao redor — para que fique bem claro que você não tem nada com aquela baranga! 19.10.2003

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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