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Depois da frustrada tentativa de morar sozinho em Nova York, Jim retorna à cidade natal, em Indiana, onde é forçado a voltar para a casa dos pais e dar de cara com a realidade que um dia o fez ir embora da cidade. Sua vida melhora um pouco quando conhece a enfermeira Anika e seu filho. No filme de Steve Buscemi “O Solitário Jim”, o protagonista aprende lentamente como podemos continuar nosso caminho sem deixar todos para trás.
Um encontro com a vida em profundidade nos leva inevitavelmente ao pensamento sobre a morte. Pensar sobre a morte não é negativo, aliás, ela deve sempre estar presente em nossos pensamentos. O fato da morte nos remete a dois aspectos fundamentais da fé cristã. O primeiro é a oportunidade de estarmos em sintonia com aqueles que já passaram por esta existência e se encontram em uma dimensão superior que costumamos chamar de “Casa do Pai”, “Reino de Deus”, “Reino dos Céus” ou “morada eterna”. Infelizmente, estamos condicionados a pensar nesta dimensão superior como algo acima das nuvens. “Céus” é uma palavra teológica que denomina uma dimensão sem limites e não exatamente o espaço fora do planeta. A dimensão superior dos ressuscitados pode estar muito próxima de nós. Apenas não temos a sensibilidade necessária para percebê-la. Porém, a lembrança ou a sintonia não deveria estar reduzida a apenas uma data, como fazemos no dia de finados. Este deveria ser um reinicio de convivência com estas pessoas que são significativas em nossa vida. Assim como o Natal é uma data na qual se troca presentes, mas esta fraternidade ou o prazer da partilha deveria perdurar por todos os dias se intensificando cada vez mais, o dia de finados deveria nos despertar para uma sintonia diária com as pessoas que já vivenciaram a passagem que, infelizmente, damos o nome de morte.
O segundo significado da morte é a lembrança de que um dia seremos também finados. Nós teremos um termino desta nossa existência. Um dia, faremos a experiência que muitos familiares e amigos já fizeram, ou seja, a experiência de morrer para esta existência. A consciência da morte está intimamente ligada ao sentido da vida, à finalidade de passarmos por esta existência. Segundo Heidegger, o ser humano é pastor do seu ser e não o senhor do ente. Como todos os entes, não pedimos para nascer e muito menos determinamos o nosso desaparecimento. Mas podemos sim ser pastor, ou seja, ser sujeito de nosso ser. Ser finado não é simplesmente deixar esta existência, mas transformá-la de alguma forma. Por isso, a reflexão sobre a morte nos faz acordar para aquilo que na filosofia alemã chamamos de Dasein (Da = lugar; Sein = ser), ou seja, o lugar do meu ser nesta existência. Acordar para o nosso dasein significa buscar nossa jemeinigkeit (minhidade), ou seja, buscar apropriar-se de si mesmo, de seu ser, apropriando-se de suas possibilidades. Para Heidegger, nós temos duas possibilidades essenciais: a autenticidade (que ele chama de propriedade) e a inautenticidade (ou impropriedade). A inautenticidade descaracteriza meu ser e o transforma em conveniência social, em mesmismo, naquilo que os outros ou a sociedade desejam que eu seja. Ser autêntico é assumir todo seu ser, sua minhidade e fazer de sua existência algo único e responsável. Como alcançar a autenticidade? Nós alcançamos cada vez mais um ser autêntico à medida que assumimos a situação suprema da existência: o “Ser-Para-A-Morte” (Sein zum Tode). Antecipar o “tornar-se livre para a própria morte” liberta o ser humano para as outras possibilidades do ser.
O mais belo e mais profundo sentido deste ser no lugar da existência é a in-sistência. In-sistência como preocupação no persistir na situação suprema que é o “ser-para-a-morte”. Insistir no “ser-para-a-morte” é não se esquecer que estamos em uma viagem, somente de passagem e assumir a verdade de que o ser humano só existe realmente, só encontra-se vivo, através do apropriar-se do seu ser e viver na autenticidade.
Em Jesus Cristo encontramos um caminho de autenticidade que, pela radicalidade, o levou à morte de cruz. Jesus poderia ter largado o pai e morrido de velhice, mas qual a finalidade teria sua passagem por este mundo? Se ele tivesse outro ser no lugar que esteve, um ser conformista com as estruturas da época e com o sofrimento da vida, com certeza, ele teria outro fim de existência e também sua passagem por aqui teria outra finalidade. Mas será que teria valido realmente a pena passar por esta existência? A consciência do “Ser-para-A-Morte” nos faz levar com responsabilidade a convivência com os outros e relativizar coisas que estão na periferia de nossa existência e não dão verdadeiro significado à finalidade de passarmos por aqui. Eu tenho uma profunda intuição de que aqueles que amamos, que já passaram pela morte e se encontram em uma dimensão superior estão torcendo para que possamos ser e fazer muito mais do que eles foram e fizeram. Que possamos fazer jus a esta esperança.