Vladimir Souza Carvalho 1 de dezembro de 2017

A idéia pode cheirar ao absurdo, mas bem que gostaria de comprar um pouco de sono, ou algum sono, ou mesmo, se o preço me for favorável, muito sono, para estocar. O desejo imenso de me deitar, jogar o corpo no colchão, a cabeça no travesseiro, e, ao terminar de me benzer, [porque religiosamente, me benzo na busca da proteção divina], começar a dormir, sem repassar o que passei durante o dia e sem pensar no que farei no dia seguinte. E, ademais, dormir mesmo, sono profundo, desligado de qualquer barulho, sono igual ao da morte, sem ser morte, evidentemente, de maneira a só me acordar no dia seguinte, no horário habitual, despreocupado de, durante a noite, olhar  três ou quatro vezes para o relógio digital a minha frente. Daí querer comprar sono a que tem demais, a quem dele não necessita, a quem pode liberar uma parte e não sentir falta alguma, pessoa que, neste sentido, tenha excesso de sono. Estou farto da falta de sono, como se meu estoque fosse tão pequeno que um simples cochilo – não na cama, mas na cadeira, vendo televisão ou digitando algum texto – depois do almoço ou durante a tarde, já é suficiente para ingressar no sono da noite, e, daí, no momento adequado, me fazer falta. Eu queria dormir a noite inteira, sem me acordar para ir ao sanitário vez alguma, dormir, mesmo, de verdade, como dormem as crianças, sabendo, de antemão, que não me acordarei durante instante algum, por mais rápido que seja, nem para pensar na artista mais bonita da televisão brasileira nem na mulher mais atraente que vi no shopping. Um sono realmente sono, direto, pesado, sem as interferências do acordar aqui e ali, e, se não for muita exigência nem aumentar o preço, sono sem ronco.

 Quem tiver algum estoque de sono, que de alguma parte queira se livrar, me avise que eu negocio. Tanto compro com moeda corrente, como posso fazer uma permuta com uma caneta tinteiro, há muito quebrada, como posso trocar por duas latas de cerveja com o escudo do Flamengo já desbotado. O importante é ter o sono em demasia e querer me vender alguma quantidade razoável para me deixar tranquilo, sabendo, de antemão, que toda noite dormirei o sono da consciência limpa, que não deve ser confundida com ficha limpa. De logo aviso que não compro sono sem nota fiscal e sem garantia alguma. Posso ser enganado, adquirindo um sono na suposição de ser dos melhores e me deparar com material falsificado oriundo das feiras do Paraguai, e, no momento em que dele necessitar, perceber que comprei areia por açúcar.

O sono, que eu possa adquirir, deve estar a prova de olho grosso e sem exigência  de reza alguma, deve ser um sono que, pela embalagem, convença logo de sua boa procedência, sono bom, no duro, que me dê o privilégio de dormir bem aqui, enquanto estou vivo, porque sei que, depois de morto, não terei dificuldade de pegar no  sono, mas…, bem, espero, que essa época demore a chegar, ou nunca chegue. (03.12.12)

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.   

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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