Padre Beto 1 de novembro de 2017

pt-br.facebook.com/PadreBetoBauru 

Um misterioso estranho desembarca de um trem numa pequena vila do interior da França e faz amizade com Manesquier, um professor de poesia aposentado, que hospeda o estranho visitante sem desconfiar que ele seja um ladrão planejando assaltar o banco local. Mas a vida de ambos muda. O filme “Uma Passagem Para a Vida” de Patrice Leconte não possui somente uma linda linguagem visual, mas também está repleto de silêncios significativos, silêncios estes que fazem com que dois homens completamente diferentes comecem a se compreender e, desta forma, compreender a vida. Neste encontro entre diferenças algo fantástico acontece: o simples, mas complicado, amor à vida.

No Evangelho de Mateus (22, 34-40) os fariseus colocam novamente Jesus à prova e demonstram a mentalidade legalista que possuem: “Mestre, qual é o maior mandamento da lei?” Jesus surpreende com sua resposta, pois não esclarece qual é o maior dos mandamentos, mas transforma a mentalidade que está por de traz da obediência à lei: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a sua alma e de todo o teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. Através desta resposta Jesus não estabelece uma síntese da Lei, mas um princípio de vida. A lei determina um “fazer” ou “não fazer” através uma sanção. O princípio não. O princípio faz com que o ser humano comece a pensar, a raciocinar, a refletir sobre seu comportamento. O princípio não é obedecido através de uma sanção, mas através da consciência, da compreensão. Jesus ultrapassa a lei e traz para o ser humano um princípio dialético de vivência, o que é mais exigente do que simplesmente obedecer a uma lei. Amar a Deus totalmente, de todo o coração, de toda sua alma e de todo o seu entendimento é procurar com todo o ser, emoções, vitalidade e compreensão interagir com o mais fundamental realizado por Deus: a vida. Este amor não é cego, mas ele é acompanhado pelo entendimento, o que faz com que eu trabalhe minhas emoções e canalize minha vitalidade para o essencial da vida. Semelhante a este princípio está outro: amar o próximo como a mim mesmo. Este princípio só existe se assimilarmos o primeiro, isto é, o amor à vida. Eu só me amo e amo meus semelhantes se amo verdadeiramente a vida. Eu só consigo amar os outros se sinto amor por mim mesmo, ou seja, se tenho a sensação de que eu me basto, compreendo a situação de solidão, a condição primordial do ser humano. Solidão não significa estar só, mas assumir a vida com responsabilidade. Eu sou responsável pela vida que desejo conduzir. Porém, amar o próximo como a mim mesmo significa respeitar o outro como desejo ser respeitado. Isso exige que eu me coloque na situação do outro. Colocar-se na situação de meu semelhante não significa simplesmente me por no lugar do outro com a minha alma, mas realmente me transpor na situação do outro tentando compreender sua educação, suas vivências, suas experiências, enfim, sua visão de mundo. Os princípios “amar a Deus e amar ao próximo como a mim mesmo” não são para legalistas, dogmáticos ou fundamentalistas, mas para pessoas inteligentes. Os dois princípios se entrecruzam e são interdependentes. Por isso, Jesus afirma que a lei e os profetas “dependem” desses dois mandamentos! Se a lei ou qualquer líder religioso exigir um comportamento que venha a oprimir a vida ou meu semelhante, esta lei ou este líder religioso, mesmo falando em nome de Deus, deve ser analisado com criticidade. Neste sentido, Paulo fala em falsos deuses e no Deus vivo e verdadeiro. Falsos deuses podem surgir em qualquer religião, como também o Deus vivo e verdadeiro pode ser seguido por qualquer religião seja consciente ou inconscientemente. A fé no Deus vivo e verdadeiro leva à compreensão de suas vontades e estas criam um amor profundo a mim mesmo e ao outro. Os falsos deuses são visões humanas que entram em contradição com a razão humana e com o amor a si mesmo e ao próximo. Por isso, cada situação deve ser analisada unicamente e pensada de acordo com o prisma dialético do princípio do amor a Deus e o amor aos nossos semelhantes. Seguir uma religião não é adotar uma cartilha de regras, mas vivenciar um processo de transcendência e este só é possível através da análise crítica de nosso viver. O dom que deveria ser estimulado por todas as religiões é o dom da inteligência que nos leva ao amor bíblico. Normas e regras podem nos ajudar, mas elas não podem substituir o entendimento. Se este último for reprimido corremos o risco de padronizar o comportamento humano, o que significaria ir contra ao princípio do amor, pois cada ser humano é um indivíduo e deve ser respeitado como tal.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]