1 de novembro de 2017
Roteiro para discutir a prática do feminismo – 25 out/2017
- É animadora a retomada, nas últimas décadas e em todo o mundo, da histórica luta pela libertação das mulheres, de todas as formas de exploração e dominação e pela igualdade básica entre os seres humanos. É inaceitável que a humanidade conviva e tire proveito dessa cruel discriminação e preconceito contra a mulher manifestos na exploração econômica e na violência física, moral, sexual e psicológica.
- Há diferentes feminismos, divididos entre liberais/ conservadores e progressistas. Também no feminismo progressista, há várias correntes. Hoje, se desenvolve o feminismo popular, porque as correntes progressistas, só contemplam em parte, o interesse das camadas populares.
- O feminismo propõe políticas sociais e atitudes pessoais contra os efeitos dessas práticas e aprofunda as causas de sua naturalização. Mas, sabe que a compreensão intelectual do problema está ligada à possibilidade concreta de mudanças; a impaciência e o radicalismo verbal são ineficazes, pois, mais dividem que mobilizam e até legitimam o populismo moralista, fundamentalista, patriarcal que tira proveito desse “atraso”.
- Em certas falas sobre o feminismo, perpassa um viés ideológico: o encantamento com o debate só cultural (mudança de comportamento) sem relacionar isso com a mudança estrutural. Tal postura tem levado à divisão, gerado impotência de mobilização e, no campo popular, até desvios como elogiar burguesas por serem mulheres e serviçais pela cor da pele ainda se reacionárias…
- Outras vezes, certas abordagens do feminismo, buscam espaços de terapia ou forma de suprir uma carência de reconhecimento. Pior ainda, quando, na prática, alimentam a guerra homens x mulheres vendo na relação afetiva uma forma de exploração. A multiplicidade e diferenciação de visões sobre o tema, dificulta uma formulação consensuada. Por isso, na sua construção o Projeto Popular se desafia a construir o feminismo popular.
- Se a história não é receita, pode ser inspiração para o que fazer, o que não fazer e o como fazer. O como está ligado à defesa da auto-organização das mulheres e como os homens devem enfrentar a despatriarcalização. Outras gerações tiveram desafios semelhantes e encontraram formas de superá-los. É necessário conhecer e tirar lições dessa prática social acumulada e avançar em novas conquistas. Cada povo e cada geração fará, sem cópia, a trajetória que se ajuste ao seu ritmo, a seu colorido e a seus interesses. Isso exige pesquisar, com mais detalhes e elementos históricos e construir roteiros das diferentes experiências: bolchevique, chinesa, salvadorenha, cubana…
- Há 100 anos, os bolcheviques aplicaram um programa radical para libertação da mulher e para a transformação da família tradicional. Na sua teoria, o essencial para a libertação das mulheres era tirá-las do trabalho do lar (“o trabalho do lar é o mais improdutivo, o mais selvagem e o mais árduo trabalho que a mulher pode fazer”) e trazê-las para a esfera da produção; assim, obteriam independência econômica e desenvolveriam uma consciência de classe.
- Para tanto, o Estado popular teria que assumir o cuidado das crianças e o trabalho do lar. Já em outubro de 1918, na União Soviética ratifica o Código do Casamento, da Família e Tutela que igualava o status jurídico da mulher ao status do homem; os cônjuges tinham direito às suas propriedades e renda; os filhos fora do casamento tinham direitos como os filhos do casamento; se abria a possibilidade do divórcio, a pedido.
- A inexperiência, a guerra civil e o cerco capitalista, obrigaram a maioria das mulheres a batalhar pela sobrevivência e desinteressar-se do esforço revolucionário. Resultado: em vez de “nova mulher”, se reforçou a imagem da dona de casa “bitolada”, “atrasada” e dominada pelo marido e pelo padre. Para combater esse “atraso” se criou o Bureau das Mulheres para mobilizar as mulheres, a partir e em torno de seus interesses.
- Foram elaborados projetos diretamente ligados às mulheres, naquela conjuntura. Organizou-se a alfabetização, construção de creches, refeitórios e cooperativas de consumidores. Em 1920, mesmo com pouco financiamento, foi iniciada uma campanha contra a discriminação salarial e na contratação, o assédio sexual, a demissão de mulheres, o alcoolismo, a agressão às esposas … O feminismo afirmativo encorajou as mulheres, mas preocupou certas lideranças.
- Em sua ânsia represadas e no seu entusiasmo, certos grupos afirmavam ser “necessário lutar pela libertação das mulheres e lutar contra os homens”. Na Ásia Central, foi lançada uma campanha contra o véu, contra o preço da noiva, a poligamia, a segregação das mulheres…. O resultado foi trágico – cerca de 800 mulheres foram assassinadas por homens que acusavam os bolcheviques de “transformar as mulheres em prostitutas”. Esses fatos serviram de pretexto.
- O Bureau foi acusado de fazer “trabalho porco” e dissolvido. Os bolcheviques que desafiaram o conceito patriarcal do direito divino de dominar as mulheres, na prática, seguiram a norma masculina. A revolução priorizou a produção descolado da esfera da reprodução onde se situava a maioria das mulheres, pelo fato da maternidade. Os conceitos patriarcais, antes reprimidos, voltam a reinar – a incoerência do discurso mostrou que o velho homem continuava vivo.
- É indispensável conhecer as diferentes visões, suas implicações na vida dos grupos, a importância da temática mulher e o espaço específico de sua organização e formação. Dominar o tema significa conhecer suas demandas específicas e concretas e pautá-las como luta do conjunto do Movimento. Por exemplo, firmar políticas e normas contra o assédio e a violência moral e sexual e aplicar um código de ética para quem violar tais conquistas.
- Já é sabido que “a libertação será sempre obra de quem está oprimida”. A vontade e o radicalismo verbal não arrastam quem está oprimido. A longa transição de desconstruir uma cultura arraigada e construir a nova ordem social, com novos homens e novas mulheres, requer o envolvimento da mulher como ator político. Só quando ela sente na vida que pode, a mulher entende que vale; então, a canga sacode e já não há patrão que a cale.
Obs: Imagem enviada pelo autor.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.
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