Padre Beto 15 de novembro de 2017

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Imagine duas fábricas que vão à falência por incompetência administrativa. A consequência é que os donos continuam suas vidas com um padrão financeiro privilegiado enquanto que os trabalhadores caem na rua do desemprego. “Intervenção – Fábricas Ocupadas” conta a história das fábricas Cipla e Interfibra, que desde a tomada pelos trabalhadores até a intervenção policial-militar, decorreram 5 anos. Em 31 de maio de 2007, centenas de homens armados da Polícia Federal arrancaram de dentro das instalações os membros da comissão de fábrica eleitos pelos operários empossando um interventor federal. A polícia cumpria um mandado judicial a pedido do governo Lula, que cobrava uma dívida deixada pelos antigos donos. Os trabalhadores e seus líderes falam das suas lutas, do dia-a-dia nas fábricas ocupadas, da redução da jornada de trabalho de 44 para 30 horas semanais, da continuação da produção e do bom andamento das fábricas. Mas também narram o pavor durante a intervenção, todo tipo de humilhação a que foram expostos, angústias e perspectivas. O Movimento das Fábricas Ocupadas no Brasil continua e se reagrupa com o apoio de entidades sindicais e de movimentos sociais do mundo inteiro. Na verdade, o que está como pano de fundo é o Estado a serviço das Oligarquias que prefere esconder as incompetências destas ao invés de prestigiar a vida dos trabalhadores, do povo que deveria representar.

No Evangelho de Mateus, capítulo 22, 15-21, Jesus se vê diante de uma armadilha. Fariseus (representantes do povo Judeu) e pessoas do partido de Herodes (representantes de Roma) fazem a seguinte pergunta: “é licito ou não pagar impostos a César?” Se Jesus respondesse que não, ele estaria se declarando contra Roma e se dissesse que sim, ele estaria se colocando em favor de Roma. As duas posições levariam Jesus a uma condenação, seja por parte do poder romano seja por parte dos judeus. Jesus para escapar da armadilha lhes dá uma resposta aparentemente evasiva: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Esta resposta, porém, não é uma simples fuga a uma armadilha, mas remete a uma reflexão teológica e política: “Afinal, o que é de César e o que é de Deus?”

A loucura dos césares era convencer a todos de que o César era deus e, portanto, tudo lhe pertencia, até mesmo a vida de seus súditos. Aqui nós temos um grau extremo de narcisismo, como o de Napoleão, Hitler, Stalin e também das oligarquias que dirigem o nosso país. Todos estão a seu serviço e tudo lhes pertence. Esta é a fundamentação principal do pagamento de impostos a César, afinal, a terra dos judeus lhe pertence. Jesus, porém, prega a existência de outro Deus. Um Deus criador do universo que gratuitamente nos presenteia este mesmo universo para que sejamos co-autores na criação. Portanto, o universo não é propriedade de um determinado ser humano ou de uma determinada classe, mas de toda a humanidade. O que pertence a César é de Deus e sendo de Deus é de todos. Se o universo foi entregue à humanidade para que haja vida e vida em abundância, o universo é de domínio público. Até mesmo a propriedade privada que possuímos no sistema neoliberal deve possuir uma função social, ou seja, a produtividade, o emprego para outras pessoas gerando, assim, o movimento da vida. Se a propriedade privada deve ter uma função social, o que falar do papel do Estado. Este não deve ser um “Leviatã”, no sentido de Tomas Hobbes, um monstro que nos retira a liberdade para que possamos viver em “segurança”, mas uma instituição criada pelos homens para estar a serviço do Bem de todos. Aqui está o sentido dos impostos. O imposto é uma forma de contribuição de cada um para que as necessidades básicas de todos sejam atendidas: educação, saúde, seguro desemprego, aposentadoria, etc. O imposto é uma forma de partilha que pagamos não a “César”, mas a nós mesmos. A fala de Deus em Isaias deixa bem claro: “Eu sou o senhor, não existe outro: fora de mim, não há Deus”. Esta afirmação não pode ser utilizada para um fundamentalismo religioso e contra o diálogo entre as diversas religiões, mas contra uma mentalidade que leva a crer que alguns seres humanos possuem mais privilégios que outros seres humanos. A frase deve ajudar a destruir a forma extrema de narcisismo que garante privilégios a determinados seres humanos em detrimento de outros. Se Deus é um só, todos os seres humanos são irmãos e possuem direitos e deveres diante do bem comum de todos. Portanto, não deveríamos nos dividir em classes sociais, em castas religiosas ou raças. Preservando nossas individualidades e a pluralidade cultural, racial e sexual, nós seres humanos temos o direito de viver como filhos de Deus usufruindo de tudo que o universo nos oferece. O Estado, por sua vez, não deve ser um instrumento a serviço de poucos, mas deve proteger o bem-estar de todos contra a ganância e a prepotência de poucos. Isso o Estado tem condições de fazer e é para isso que nós o pagamos com o nosso dinheiro.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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