Pergunto a moça que tira meu sangue se a sua cor é azul. Ela responde com outra pergunta: Por acaso, sua mãe disse que o senhor era um príncipe? Príncipe, propriamente, não disse, é como respondo, mas, afirmava que eu era tão bonito, quando menino, que parecia um príncipe. Risos a parte, que a atendente é um primor de simpatia, a verdade é que o meu sangue não apresenta a cor azul. Assim, não sou descendente de nenhum membro de família real. Não corro, em consequência, o risco de herdar trono algum. Não figura em meus planos ser rei, nem imperador. É um alivio. Estarei sempre por aqui, até que a morte me leve para o Cemitério de Itabaiana. Que ela, aliás, se perca no caminho, se atrase, entre em veredas estranhas, atraque em outros sítios. Afinal, que demore. Pressa não tenha, por ser matéria que não escrevo em meus cadernos.  Para bem longe, vá, morte, vá!

Além de não ter sangue azul, acrescento que nunca vi uma princesa de verdade. É certo que guardo a dúvida que dona Tota, professora de datilografia em Itabaiana, era descendente de alguma família real. Foi com ela que aprendi a arte de datilografar. Dona Tota, na sua simplicidade, ostentava gestos tão finos, conversando sem altear a voz, dando um ritmo lento e cadenciado aos seus passos, conseguindo a proeza de ser eminentemente elegante na modéstia  de suas vestes, que me sempre me fizeram apostar que era, como deve ter sido, descendente de algum rei africano, vendido ao Brasil, nos tristes tempos da escravidão, que, desgarrado dos seus súditos, foi parar em  Itabaiana, sendo dona Tota sua neta ou bisneta. Sem conhecer sua árvore genealógica, sempre apostei, e, continuo apostando, que era neta de uma princesa.

A sua elegância era, assim, eminentemente, natural. Não se munia de nenhum artifício, não arrebitava o nariz, não era, portanto, uma pose industrializada. Fora dela, ninguém mais. Já a conheci como professora de datilografia, em sua casa, na rua do Beco Novo, os alunos, com vários papéis brancos à mão, a frequentarem sua escola, espremida na sala da frente, para a aprendizagem devida, primando pela elegância no sentar, como um lord inglês, exigindo de todos que os olhos ficassem  desgrudados das teclas, fixo-os no papel, todos os dedos ocupando as quatro teclas.

Dependesse de mim, o nome de d. Tota, descendente ou não de princesa,  já teria batizado uma rua em Itabaiana. Contudo, ainda é tempo para homenageá-la. (25 de março de 2017)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.   

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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