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Em qualquer cultura, sociedade ou país, quando se divulga ou se percebe um índice consideravelmente grande de ocorrência de uma determinada doença ou vírus, nasce uma grande possibilidade de se instaurar uma neurose coletiva sobre o contágio dessa doença. O problema é que quando se fala de números, estatísticas e estudos, podem existir variáveis, refutações, outras opiniões, etc. Mas nesses momentos, não adianta muito argumentar com essa nossa cabeça sempre neurótica. A única pergunta que vem à mente é: Eu estou ou não com essa doença?

Todo profissional de psicologia ou da psiquiatria sabe que hoje em dia, se você não der um diagnóstico rápido sobre o paciente, você corre o risco de ser avaliado erroneamente como incompetente por ele e, pior ainda, ele irá atrás de outros profissionais (muitos deles antiéticos), que lhe dirá o que deseja ouvir e enquadrará esse mesmo paciente em alguma doença mental em quinze minutos. Muitos desses voltam pior do que chegaram ou com uma migração da doença para outro lugar dentro dele mesmo.

Nós, seres humanos, somos carentes de diagnósticos, não conseguimos lidar muito bem com a dúvida, com o “pode ser”, precisamos de uma palavra final. Então, quando alguém descobre o que se passa com a gente, mesmo quando erram na avaliação, por um momento nos sentimos enganosamente curados da angústia do não saber. “Ufa, agora já sei o que tenho” é o que todos dizem.

Esse fenômeno acontece frequentemente com a depressão. Concordo que ela existe e realmente está crescendo muito em nossos tempos atuais e que tem que ser seriamente tratada por todos nós. A questão é que quando a doença prolifera no contexto em que vivemos, todo mundo acha que foi contagiado por ela e não é bem assim.

Às vezes passamos por momentos extremamente tristes e sofríveis em nossa vida sem saber ao certo o porquê disso tudo, e, quando estamos lutando para entender (se é que existe um motivo), vem alguém e já arremata erradamente: depressão! Pronto! Agora já não precisa mais saber nada do seu mundo interno, pois você já faz parte desse fenômeno neurótico coletivo contagioso. Agora, inconscientemente você sente que, mesmo seus dias estando bem ruins, pelo menos estão ruins para todos, logo eu sou um “doente normal”.

Na nossa existência, temos que esperar algumas questões internas maturarem, para depois digerirmos e não raramente, quando conseguimos esperar, podemos perceber que havíamos criado um problema muito maior do que era em nossa fantasia. Nós, seres da pós modernidade, devido a nossa ansiedade coletiva, não temos tempo ou não conseguimos esperar a fruta amadurecer para comê-la. Ou aceleramos o processo natural dela, ou comemos a fruta verde mesmo.

Existem dois lados da mesma moeda que falhamos ao não nos atentarmos especificamente sobre a depressão nos dias de hoje. O primeiro é o lado da pessoa diagnosticada corretamente com a depressão clássica: quando uma pessoa tem durante um tempo uma enorme dificuldade até para se levantar da cama, sente uma angústia interminável, não consegue mais sair de casa nem para trabalhar, tem um esgotamento total de energia e só consegue enxergar dias cinzas em sua vida. Esse indivíduo pode estar com depressão e precisa urgentemente de tratamento.

O segundo lado da moeda é a pessoa que leva uma “vida depressiva”, acredito ser um pouco mais complicado, apesar de ser muito mais aceitável socialmente. Christian Dunker explica que “existem pessoas que não percebem que estão deprimidas porque conseguem continuar funcionando, fazendo coisas, são ativas e cheias de atividades que enchem o dia todo”. Algumas delas carregam dores de todo tipo no corpo, não nutrem um relacionamento saudável com quase ninguém, pois estão sempre correndo, ou ainda, tem dificuldade para dormir como um sintoma que mascara a depressão. Aliás, muita coisa acontece com a gente quando colocamos a cabeça no travesseiro, pois geralmente é a hora que, mesmo cansados, pensamos na vida, isto é, quando o silêncio “grita” e precisamos desligar o nosso modo automático e pensar em como estamos lidando com esse desafio que é viver.

A máxima socrática “tome cuidado com o vazio de uma vida ocupada demais” entope os perfis e comentários das redes sociais. Mas analisando sinceramente, a maioria de nós se pega automaticamente abarrotando a agenda de compromissos para mascarar dores, vazios e traumas. Sei que o cotidiano existe para todos nós, mas esse ciclo vicioso de mascarar traumas, de correria e compromissos deixa nossos dias acinzentados, e creio que não perceberíamos nem se estivessem coloridos, pois andamos com a cabeça baixa, não contemplamos mais o céu.

Por isso, penso que, mesmo com sofrimento intenso do indivíduo que se deprime e cuja vida se transformou numa inércia pura, com tratamento adequado talvez tenha mais chances de dar a volta por cima, pois entendeu que adoeceu, que parou a sua existência e que é hora de voltar a se movimentar. O sofrimento ressignificado dentro da alma sofredora sempre gerou vida, criação, cultura e arte desde que o mundo é mundo. Em alguns momentos, ao cairmos, é melhor ficarmos no chão mesmo e esperarmos humildemente o resgate, do que nos levantarmos adoecidos, agravando em muito a nossa situação lá na frente.

Já quem tem a “vida depressiva” por ter dificuldades de perceber que está doente (e a sociedade diz que ele está são porque produz muito), terá infinitamente mais dificuldades de se curar. Com um sentimento de onipotência que temos dentro da gente, temos dificuldades de buscar ajuda até quando temos certeza que estamos doentes, imagine então quando não aceitamos ou não percebemos que estamos.

Antes que seja tarde urgentemente temos que repensar nossa forma de viver até porque não estamos sozinhos no mundo e tudo que fazemos afeta muita gente. Talvez essa responsabilidade nos traga peso, mas também um compromisso com a vida e uma discreta alegria. Ed René resume bem esse pensamento: “Feliz é quem consegue viver um momento de cada vez, dando sentido e significado a cada passo do caminho, pois felicidade não é um lugar aonde se chega, mas um jeito como se vai”.

Obs:  O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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