Padre Beto 15 de outubro de 2017

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William e Madeleine levam uma vida tranquila, mas agora estão sozinhos, já que a filha se mudou para a Itália. A vida dos dois se transforma quando decidem comprar uma nova casa e arrumam um novo casal de amigos: Adam, um homem refinado e cego, e sua companheira, Eva. Entre os quatro surge uma cumplicidade que se abre para uma nova forma de relacionamento. William e Madeleine se confrontam com uma nova possibilidade de experimentar a vida. Como é de se esperar, diante da nova possibilidade, o medo aparece com seus fantasmas e este faz com que os dois tenham que tomar a decisão de viver como sempre ou transformar suas vidas em um relacionamento aberto que exige uma confiança maior do que aquela que possuem. O sereno filme “Pintar ou Fazer Amor” de Arnaud Larrieu e Jean-Marie Larrieu nos trás um roteiro carregado de tensão sobre a escolha e a construção da dignidade.

A parábola dos talentos contada por Jesus (Mt 25, 14-30) deve ser compreendida com muito mais profundidade do que o simples aproveitamento dos talentos e das potencialidades individuais que possuímos. Ela nos leva a questionar sobre algo inerente ao ser humano, ou seja, a sua dignidade como pessoa. Mas, afinal, o que significa dignidade? A dignidade é algo próprio do Homo Sapiens. Ela possui seu inicio com a consciência de si mesmo, um talento essencial do ser humano. A partir do momento que tomo consciência de que sou, inicia-se a construção de minha dignidade. Porém, para compreender bem isso, temos que lembrar o esclarecimento de Husserl: a consciência é sempre consciência de alguma coisa. Isso quer dizer que a consciência não possui um conteúdo próprio. Ela sempre é um posicionamento diante de algo. Este posicionamento completa nossa dignidade, ou seja, nos mostra se somos pessoas verdadeiramente dignas. Ter consciência e ter posicionamento são “lados da mesma moeda”. Para que isso esteja claro é importante descobrir que o saber mais importante é o saber que se sabe. Em outras palavras, para um ser humano é fundamental saber que se pode possuir um conhecimento das coisas, saber que somos capazes de ter uma consciência diante de qualquer coisa ou situação e, por consequência, um posicionamento próprio. O conhecimento de que somos capazes de saber, o conhecimento de nosso talento maior que é a consciência de algo, nos leva não somente à consciência própria de uma situação, mas principalmente a um posicionamento lúcido diante desta situação. A partir daqui, podemos voltar à parábola. O servo mau e preguiçoso é aquele que sabe que possui o talento essencial da consciência diante do seu universo, mas possui medo diante do posicionamento. A consequência é desastrosa para ele e a própria vida: ele esconde de si mesmo sua consciência e deixa com que o tempo passe e as situações se resolvam através do posicionamento e ação de outras pessoas. Ele deixa de ser sujeito de sua história e para não se culpar é incapaz de enfrentar sua própria consciência. Este tipo de pessoa é alguém que, por exemplo, vê um amigo em uma situação ruim e depois de passada a “tempestade” chega para o amigo se desculpando dizendo que se preocupou e até tinha vontade de ajudar, mas não sabia se o amigo gostaria de sua ajuda. Ora, se quero ajudar, não preciso perguntar se o outro precisa de ajuda, eu simplesmente ajudo. Faço isso porque minha consciência diante desta situação me leva a um posicionamento. O empregado bom e fiel da parábola não é aquele que toma o posicionamento mais correto, mas aquele que se posiciona, pois mantém totalmente sua dignidade. Nós podemos até errar em nossos posicionamentos e revisar depois nossa consciência diante da situação. Mas, dignidade humana é a capacidade de usar da consciência e se posicionar diante das situações. Assim estou sendo verdadeiramente humano, filho da luz como afirma Paulo (1 Tessalonicenses 5, 1-6) ou como a mulher forte que pode não ser bela fisicamente, mas através de seu ser no mundo realiza, constrói, abre suas mãos e se posiciona (Provérbios 31, 10-13.19-20.30-31).

Chegando à  essência da parábola, podemos entender a dialética aparentemente paradoxal da frase: “a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas, daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado”. Aquele que afirma sua dignidade aprende cada vez mais, pois pensa sobre todas as situações à sua frente e depois arrisca, inova, transforma através de sua ação. Mas, aquele que não exerce seu talento essencial de ser pensante, perde até mesmo o que já possui, ou seja, a dignidade, pois pensa com o pensar dos outros, se posiciona para agradar os outros e mergulha sua vida no mesmismo e na mediocridade.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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