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Preparava-me para atravessar a rua quando vi a gari encostar a vassoura no carrinho coletor, se abaixar e pegar a carteira. Ressabiada, olhou para um lado, depois para o outro; coçou a cabeça e ameaçou abri-la. Não teve coragem. Fez movimento para colocá-la no bolso, mas se inibiu. Creio que as mãos trêmulas receavam o ato ilícito.
O sol não era agressivo. Havia até brisa, mas ela transpirava rios. Resolveu sentar-se na calçada, respirar fundo e criar coragem. Minutos depois, abriu a carteira e, ao observar a grande quantidade de cédulas, fechou-a rapidamente. Passou a transpirar oceanos. Na tentativa de abrandar o calor, usou as mãos para se abanar.
Talvez, naquele momento, pensasse que o dinheiro fosse mais do que suficiente para solucionar seus problemas. Talvez pudesse quitar parcelas atrasadas de crediários. Talvez pudesse remover a ameaça do corte de energia elétrica e água. Talvez pudesse, finalmente, renovar o guarda-roupa. Talvez isso. Talvez aquilo. Talvez tanta coisa.
Enquanto me perdia em conjecturas apareceu, não sei de onde, um vivaldino que a abordou.
– Encontrou um tesouro, sortuda?
Ela ficou em pé e enfiou, rapidamente, a carteira no bolso.
– Não sei do que o senhor está falando.
– Não mesmo? Então diz pra mim o que está escondendo aí?
A julgar pela boca trêmula e semiaberta, creio que tentou encontrar enredo que o dissuadisse de outros questionamentos. Mas falou a verdade. Disse que encontrou a carteira e não sabia o que fazer com ela. Ele sugeriu que dividissem o dinheiro e deixassem o objeto onde o havia encontrado.
– Deus me livre! Sou uma mulher honesta! O dinheiro não é meu. Quem o perdeu pode estar em dificuldades. Não, não e não!
O homem insistia, inventando argumentos para convencê-la. Nesse momento resolvi me aproximar.
– Posso ajudar?
– Que droga! Agora teremos que dividir o dinheiro em três partes – resmungou o homem.
A gari, trêmula, após me explicar tudo com detalhes, concluiu:
– Não posso ficar com o que não é meu. Nem dividir.
O pilantra bem-apessoado, vestia terno impecável; e a gari, uniforme alaranjado, sujo, puído. Nunca fui de julgar pela embalagem. O vestuário mais suntuoso que alguém possui é o bom caráter. Manifestei-me:
– Para resolver essa situação, eu ficarei com a carteira.
Antes que um dos dois discordasse, revelei:
– O dono da carteira sou eu. Podem confirmar pelos documentos.
Obs: Publicado no Jornal Tribuna do Norte – Pindamonhangaba – SPaulo
O autor é membro da Academia Pindamonhagabense de Letras é autor de: Lágrimas de Amor – poesia; O sapinho jogador de futebol – infantil; O estuprador de velhinhas & outros casos – contos; Histórias de uma índia puri – infanto-juvenil; O casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte, e Um caso de amor na Parada Vovó Laurinda – cordéis.
Imagem enviada pelo autor.