![](https://entrelacosdocoracao.com.br/wp-content/themes/entrelacos/img/point.png)
Gostaria de bancar o valentão e dizer que a escuridão da noite, no quarto, não me faz medo. Mas, faz. Não diria medo. Vou mais além: me apavora. A sensação de sufoco, no que acho que, em reencarnação passada, fui sepultado vivo. Acho. Não encontro outra explicação, e vou mergulhar na infância, quando, a meu pedido, papai instalava um ponto de luz na parede do meu quarto, para me servir de orientação, durante o sono. A vida inteira foi assim, salvo algumas passagens em que a escuridão não atrapalhou o sono. Fora daí, não há outra solução: não consigo articular o sono no escuro, me sinto sufocado, a procura de um ponto de luz, como se fosse um sopro de vento. E, então, novamente, a certeza do sepultamento vivo, da angustia de ter acordado dentro de um caixão, Sensação mais tenebrosa não existe.
Até conversando sobre a matéria, me sinto mal. Respiro fundo, Mudo de assunto. Mas aí brotam as histórias que papai contava, ele que participou de diversas aberturas de sepulturas, de pessoas conhecidas, relatando ter visto, poucas vezes apenas, o esqueleto em outra posição, como se o defunto tivesse se mexido dentro do caixão. O receio retorna à tona, as cautelas da noite, celular por perto, bateria carregada, pronto a ser utilizado se me acordar no escuro. Em algumas situações, caixa de fósforo, velas ao pé da cama, caso a energia elétrica falte. E aí, então, durmo sossegado, com um ponto de luz para me orientar.
O medo já me levou a uma decisão que ainda não tornei oficial: a de recorrer a cremação. Acho melhor, estando vivo, o fogo da cremação, que é quase instantânea, à asfixia da sepultura. Pode se afigurar como assunto chato, para quem me lê na manhã de segunda-feira, mas medo é medo, e necessário se torna deixar assentada a orientação devida para evitar que eu seja enterrado vivo, que me dêem por morto quando vivo ainda estou, porque acordar dentro de um caixão… Ufa! Só de pensar, já me sinto mal, a cor desaparece, a morte quer pisar na calçada, paremos por aqui, o assunto está se tornando inoportuno.
O sol lá fora está forte, o céu, pintado de azul. O homem bem que poderia ser eterno. Evitaria a morte. Ou melhor, se acordar vivo na sepultura. O velho trauma de volta. Porra. (05.01.15)
Obs: Publicado no Correio de Sergipe
[email protected]
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.