A mulher ingressou no ônibus na rodoviária de São Miguel dos Campos. Para meu deleite, sentou-se ao meu lado, esperando uma oportunidade para falar, o que não demorou. Com a entrada de vendedoras de beiju de tapioca, que o alagoano só chama de tapioca, perguntei o preço. Pronto. A vizinha começou a tagarelar, recomendando-me adquirir a uma das vendedoras,  conhecia todas, por passar a tarde por ali proseando com elas. Pronto. Boca aberta, não fechou mais até chegarmos ao Recife, quase cinco horas, portanto, de conversa que, resignadamente, tive de ouvir, guardando o rádio que tinha em mãos. As músicas e notícias ficariam para outra oportunidade, afinal, serviam para me entreter na viagem, e, ali, bem junto a mim, a providência divina tinha me colocado alguém para substituir o rádio.   

Fiquei ciente de sua vida, a começar pelos três casamentos. O primeiro, de treze anos de duração, desaguando no divórcio. Apanhou, sofreu, fez cirurgia para ligar as trompas, a fim de não parir mais do marido. Ficou em um só filho. O segundo, de doze anos, terminou quando ela se submeteu a uma cirurgia, demorando a retornar a casa. Quando o fez, ele, simplesmente, disse-lhe que ela não mais morava ali, ele tinha casado, lhe passando o pacote de roupas. O último, também de doze anos de duração, terminou quando ele lhe revelou que queria ser pai, no que ela, imediatamente, lhe botou para fora de casa. Não desejava criar filho de mulher alguma, sabedor ele que ela não podia ter filhos. Não quer mais casar, reitera e eu dou sinal de que acredito.

Não ficou só aí, na exposição de fatos de todos os tipos e tamanhos. Falava e filosofava, mostrando fotos de seus netos no celular, que já aprendera a mexer, fazendo comentários sobre uma série de parentes e aderentes, sempre puxando a sardinha para a sua brasa, como pessoa disposta, que abre qualquer porta e resolve qualquer problema, ressaltando até ter ido ao forum local para conversar com o doutor  juiz de direito da comarca.

De algo não segurei o riso, quando ela me disse que fica até meia noite conversando pelo whatsApp, com amigas, até desligar o celular, por cansar. Mulheres que conversam, Deus do Céu, exclamou. Eu fiquei a fitá-la, sem entender a afirmativa, depois de cinco horas de conversa, ali, no ônibus, ao meu lado, a falar pela boca e pelos cotovelos. Ainda bem que ganhei, antes de descer do ônibus, o elogio da simplicidade, por ter me mantido atento ao seu tagarelar, eu, que já estava ficando rouco … de tanto ouvi-la. Fiquei com a dúvida: simplicidade seria sinônimo de paciência? (01 de abril de 2017)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.
  

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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