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Alta, elegante e de cabelos loiros esvoaçantes, ela entrou no salão repleto do elegante bar e foi sentar-se numa mesa lá no canto. Sabia que despertara à atenção dos visitantes habituais naquela hora do crepúsculo. Não se importou. Abriu a carteira com dois corações entrelaçados e puxou um cigarro longo e fino. Logo, o garçom estava pronto para acendê-lo. Soltou a fumaça no ar com um prazer indefinível. Com um riso discreto, piscou agradecendo o gesto e pediu um “Kir Royal”.
Gostava dos fins de tarde solitários, principalmente quando viajava a trabalho. O tédio das reuniões infindáveis, as idas e vindas das decisões sempre lhe deixavam cansada. Logo teria mais um jantar formal, com pessoas pouco interessantes. Por isso, viera para curtir um pouco a solidão consentida, mesmo estando cercada de gente por todos os lados.
Ultimamente estavas muito só. Fazia tempo que nenhuma companhia masculina lhe interessava. Aos poucos começou a pensar: será que estou ficando invisível? Quando se completa seis décadas de vida, mesmo com equilíbrio e felicidade, o medo do amanhã não se esconde. Abdicara de constituir uma família por amar ser nômade e livre. Não queria amarras para não ter obrigações. Amava a liberdade acima de tudo.
Os irmãos, todos mais jovens, casaram e viviam numa felicidade bitolada e isso não a interessava. De vez em quando um lhe telefonavam se queixando de problemas domésticos e, nesses momentos era que mais preservava à sua independência. Amava os sobrinhos, mas sempre à distância. Desde muito nova se acostumara a criar pequenos animais e eles eram a sua eterna companhia.
Por sorte, viviam longos anos. Podia viajar nas férias e levá-los para qualquer lugar que fosse. Eles eram o casal que ela nunca conseguiu formar. Depois de alguns filhotes, resolvera privá-los da maternidade. Agora eram livres para amar sem procriar. Ficara assim pensativa ao ver um belo “poodle” no colo de uma elegante senhora e ambos se olhavam com ternura.
Aos poucos a noite foi chegando e lá fora uma lua risonha abraçava o mar. Novamente atravessou o longo salão e subiu para o seu apartamento. Era sóbrio, em tons pastéis. Afastou as cortinas deixando que a luminosidade da noite invadisse os seus domínios. Ao segurara o champanhe foi que reparou numa pequena caixa com uma orquídea. Abriu o envelope e tremeu ao reconhecer a letra firme e inconfundível. Só Adriano escrevia com elegância com uma caneta porosa. Leu e releu aquelas breves e doces palavras. Como ele a encontrara ali no meio de tantas e tantas reuniões?
O velho coração adormecido por anos e anos de ausência aos poucos foi vibrando e ela a se ver no grande espelho à sua frente, encontrou a antiga e apaixonada mulher, louca e criativa que escalava montanhas nevadas sem saber esquiar, nadava em mares desertos, corria em dunas quentes, tudo em nome da aventura e da paixão.
Ao som de um antigo e romântico cantor que embalou a sua juventude ela foi se despindo, deixando aparecer à mulher ainda firme, embora um pouco roliça por conta dos anos que não perdoa quem não vive se cuidando nas academias. Ela preferia sempre um bom vinho regado a queijos e molhos. O prazer da mesa estava sempre à frente de qualquer vaidade. Tudo bem! Ele talvez, por ser um esportista nato, talvez ainda mantivesse a esbeltês do passado.
Depois um forte e quente chuveiro, com as gotas de óleo na pele, ela voltou ao espelho para ser ver em toda a plenitude de uma sessentona. Soltou os cabelos que eram os mesmos. Ainda bem! Pensou com um leve sorriso, pois ele adorava que ela o derramasse por todo o seu corpo. Tinha um verdadeiro fetiche pelos seus pés e cabelos! Vestiu o collant fino sem nada por baixo, escondendo assim as pequenas gorduras que o implacável tempo lhe presentou.
Estava na terceira taça de champanhe e aí tudo pra ela era festa! Enterrara a quase velha senhora e voltara a ser aquela mulher do passado com todo o fogo da paixão. A música também ajudava na metamorfose. Esta noite, depois do jantar eles iriam se encontrar num lugar qualquer dessa cidade ainda maravilhosa, apesar de tudo o que faziam para destruí-la.
Vestiu-se com esmero e discrição. Não queria ninguém olhando para ela nesta noite. Preferia ficar como estava o tempo todo. Invisível. Um pretinho simples, colar e brincos de pérolas. Era esta a mulher que Adriano iria reencontrar depois de tantos anos. Não abdicou, porém dos sapatos altos e pretos! Para terminar, usou o velho perfume com cheiro de pecado. Discou o número do cartão e marcou o encontro para as 23 horas, ali mesmo no bar do Hotel. Não saberia o que aconteceria, mas com certeza iria ter uma noite de paixão e loucuras, coisa tão normal nas suas rotinas de vida. Rio de Janeiro. 017
Obs: Imagem enviada pela autora.