Originado do latim “pappare”, o verbo papar, no seu sentido mais corriqueiro, significa comer, literalmente. Ele tem, não obstante, uma função menos útil, embora de maior faceciosidade: serve para conceituar habitantes de alguns lugares específicos enquanto exagerados comedores de algo, cujo hábito é, na idéia dos que os nomeiam, suficientemente abrangente para que se possa usar da sempre perigosa — embora por vezes adequada — generalização. Os que são nomeados, após certo tempo, passam a se acostumar com o apodo, a ponto de terem, paradoxalmente, orgulho do apelido que levam como acréscimo gratuito ao local de seu nascimento.
Aqui, neste país peixe-boi, exemplos não faltam: papa-arroz é maranhense; papa-sururu é alagoano; papa-bode é piauiense; papa-goiaba é fluminense; papa-mamão é olindense; e, no que concerne à capital destas terras rio-grandenses-do-norte, tem-se que papa-jerimum é natalense. Veja-se, entretanto, que o Rio Grande do Norte — o elefante engolido pelo referido peixe-boi — possui, como troncos lingüísticos indígenas, duas ramificações, quais sejam, o tupi e o jê e, além disso, é importante notar que da primeira, a língua dos índios do litoral, provém o nome “potiguar”, cujo radical, “poti”, significa camarão. Daí, vê-se que “potiguar”, do tupi “poti’war”, quer dizer “comedor de camarão”, isto é, papa-camarão. Ora, sendo assim, o rio-grandense-do-norte nascido em Natal, sob pena de incoerência, já que é, como se demonstrou, papa-camarão, não pode ser, como sugere o que quotidianamente se diz, papa-jerimum. Isso só seria possível se fosse abolido do natalense o termo potiguar, sendo, em lugar dele, atribuído o deiumuruguar, proveniente do tupi “yurumu’war”, cujo radical, “yurumu”, quer dizer “jerimum” e o termo todo, por conseqüência, “comedor de jerimum”, ou, como foi dito, papa-jerimum.
Além disso, também em desfavor da manutenção do referido termo, sabe-se que, em português, jerimum é sinônimo de abóbora. E, na mesma bitola, papa-jerimum seria papa-abóbora, o que daria à nomenclatura uma origem indesejável. Explico: no espanhol moderno, abóbora é “calabaza”, no espanhol latinizado, contudo, era “apopores”, que deu origem ao nome pelo qual chamam os brasileiro mais meridionais o jerimum do Nordeste. Daí, portanto, desencadeiam-se os absurdos e, entres esses, o de que somos nós, legítimos rio-grandenses-do-norte nascidos em Natal, descendentes na linha direta dos potys e cariris, denominados por palavra cujo sinônimo em nossa língua portuguesa, em vez de ser de mesma origem ou proveniente de língua indígena, é, na realidade, de origem hispânica.
Uma solução em prol da coerência seria abandonar o papa-jerimum e trazer ao natalense o termo papa-camarão. Outra, menos radical, é dizer que somos papa-jerimum-e-camarão, o que tornaria o apelido, pelo menos do ponto de vista culinário, pouco funcional. Além do mais, seria uma mistura hispânico-indígena, o que, como mostra a experiência histórica da América Espanhola, não é muito promissora. De certo, tem-se que somos, senão papa-camarões, uns papa-não-se-sabe-nem-o-que, de maneira que se faz mister, com grande urgência, que se encontre um apelido que funcione. Minha sugestão!? Bem, a minha sugestão é a de que sejamos chamados papa-hambúrgueres-e-batatas-fritas ou algo equivalente. Sei, todavia, que muitas críticas aparecerão, mas, já que há menos brasilidade nos intelectuais brasileiros do que nas lanchonetes americanas, mantenho a idéia. O debate, nada obstante, continua aberto.