Ina Melo 15 de agosto de 2017

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O nome dela era Beatriz. Morava com os avós e a mãe, num velho sobrado no bairro de São José. Quando menina vivia arredia escondida no sótão. Lá de cima, tinha o mar e um pedaço do rio para fazer suas viagens imaginárias, sempre montada num cabo de vassoura. Ali criara seu um mundo mágico e misterioso. No seu refúgio tinha de tudo; móveis, tapetes antigos e velhas coleções de livros sendo o seu preferido o “Livro das Bruxas”, de capa azul com belas e variadas gravuras. Nele iniciara suas leituras.
O seu mundo era essencialmente, feminino. O avô, capitão de navio, vivia navegando mundo afora e o pai, caixeiro-viajante. Brincava e conversava com bonecas de pano, chamadas de bruxas e com elas falava dos seus projetos de vida. Nesse mundo lúdico e irreal, cresceu e tornou-se mulher. Quando a avó encantou-se, a mãe assumiu a loja que ficava no térreo do sobrado.
Era um “bric a brac”. De tudo tinha um pouco: desde gravuras antigas, peças de prata, cachimbos, fumos, cigarros, vinhos e bebidas sempre da melhor qualidade. O avô trazia tudo dos mundos distantes que ele percorria. Quando voltava do Colégio atendia aos clientes do Corvo, assim era conhecido o velho Capitão e a sua loja. Nas horas vagas subia para o sótão e lá alinhava os sonhos. Beatriz era uma mulher alta, magra mas de pele morena. Herdara os cabelos pretos encaracolados da mãe e os olhos profundamente azuis do avô.
Não tinha beleza. Em compensação fora agraciada por Deus com uma alegria sem par e, segundo diziam, era uma feiticeira que a todos encantava. E foi assim que, sentindo-se bruxa passou a enfeitiçar os homens que surgiam no seu caminho. Aprendeu ao longo da vida a só “amar o amor”. Estar apaixonada era pra ela o seu estado ideal. Nunca namorou sério e riscou o casamento da sua vida.
Aprendeu que a união de dois seres diferentes e estranhos só poderia dar certo se fosse com muita paixão e sem nenhuma opressão. A sua vida era um mistério. Desaparecia por meses e meses viajando só por mundos desconhecidos. Estudava idiomas, visitava museus, conhecias pessoas de raças diferentes mas sempre voltava para o seu ancoradouro seguro, naquela pequena cidade amante do mar e dos rios. Ali era o seu refúgio.
Quando ficou só, vendeu o velho sobrado e foi morar num belo apartamento situado no 26º. Andar. Uma cidade de pedra. A grande vantagem era que, do terraço vislumbrava os seus eternos amores: o mar e rio. Ali, cercada de plantas, com o seu gato cinzento de belos e doces olhos cor de mel e o cãozinho de estimação, tinha à sua volta livros e bons vinhos. Naquele recanto de paz escrevia as suas histórias de vidas sonhadas e não vividas, de amores reais e ilusórios.
O amor, este continuava por inteiro povoando os seus sonhos lúdicos. Amava os amigos os quais fazia questão de conservar, tantos os de ontem como os que surgiam de um encontro casual, quando saía para se divertir. Apesar do tempo passado, tinha em si juventude suficiente para sobreviver a esse mundo moderno e cheio de novidades. Gostava dos casais amigos cercados de filhos e netos, mas não se arrependia de não ter partido para essa aventura. Hoje vivenciava o amor das lembranças e cada dia se aventurava mais no mundo da fantasia. Se era bruxa, como às vezes pensava ser, não se importava. Finalmente, ser bruxa não significa querer o mal das pessoas.
Ao contrário, era sim uma bruxa igual a tantas outras mulheres que lutam por uma vida e um mundo melhor, com raça e disposição para ir de encontro à falsa moral de uma sociedade viciada, onde as pessoas fingem que são felizes, para não ferir às normas ditadas por pessoas que nunca aprenderam o que é a felicidade. (Out.016)

Obs: Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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