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Me diga, do que você tem medo? Da chuva, de muita gente junta, de sangue, de voar, de dirigir ou de amar? Tem medo de ser abandonado? de água, de barata, cachorro ou gato?

Certa vez, Sartre escreveu “Todos os homens têm medo. Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem”. Isto é, posso ser corajoso e ao mesmo tempo temer um monte de coisa.

O medo impactante e intenso que eclode a partir de um objeto específico, e, que ainda tem grandes chances de inviabilizar a minha autonomia de escolher ou agir, beirando a irracionalidade, comumente chamamos de fobia. A palavra fobia e seus vários derivados como agorafobia, claustrofobia, zoofobia (a lista é espantosamente maior), tem circulado por mentes e bocas dessa geração e sabemos que em cada época morrem, nascem, ou se intensificam determinadas doenças psíquicas. Essas se originam de conflitos inconscientes que emergem de várias formas e tamanhos dentro da “mente social” e individual onde estamos inseridos.

Dentre os medos que tenho, um deles é o de fazer tratamento dentário. Tudo bem, alguém pode me dizer que não sou o único a ficar em cima da cadeira com o corpo enrijecido ao ver o micromotor ou aquela seringa de anestesia sendo conduzida em direção à boca. Caro leitor, lamento dizer que no meu caso, o buraco é muito mais embaixo, é uma cratera das grandes. Mesmo sabendo da importância e necessidade de ir ao dentista, vou como se fosse um animal caminhando em direção ao abatedouro e com a ideia fixa de que o meu fim está próximo. Os instrumentos de trabalho usados pelos dentistas são para mim como os utensílios de tortura utilizados na Idade Média .

Na maioria das vezes, procrastinamos, ou tentamos evitar entrar em contado com alguns medos buscando sempre um lugar ou pensamento conhecido e confortável para ficarmos. O problema é que nem sempre esse conforto é “confortável” como tendemos a acreditar e, no meu caso especificamente, demorei tanto para tratar meu dente que a situação se agravou, fiquei com terríveis dores na boca, a bochecha inchada, mau humor e um futuro nada promissor para meu pobre primeiro molar. Talvez chegara a hora da sua morte. Aliás, hoje entendo porque algumas pessoas são terrivelmente apelidadas de “dor de dente”, porque não dá para conviver com elas, sua paciência é testada a todo momento e, se pudesse fazer uma mágica, sumiria com ela para nunca mais voltar.

Refletindo sobre alguns temores da vida que passei ou presenciei outros ao meu redor passarem, enumerei seis possíveis lições que podemos tentar aprender:

1) Nossos monstros internos podem ter seu lado positivo, pois estes nos ensinam que temos limites, somos finitos e diferentes uns dos outros. Cada um tem seu “calcanhar de Aquiles” pra lidar. Não pense que, porque você tem facilidade para lidar com determinada realidade, todas as outras pessoas conseguirão da mesma forma que você conseguiu. E muito menos pense que apenas suas dificuldades e medos são legítimos. Por isso que o nosso medo deve ser respeitado, tolerado e se possível for, buscarmos ajudar quem estiver próximo a nós, incluindo nós mesmos. Algumas brincadeiras não devem ser feitas às pessoas que sofrem ou estão vivendo momentos de terror. É um ato desumano.

2) Repense o conceito sobre o que é ser corajoso(a). Pessoas que foram traídas a vida toda e ainda tentam a duras penas confiar mais uma vez no ser humano, ou um indivíduo que sofre de fobia social e, diariamente, não desiste de andar no meio da multidão, apesar de toda a ansiedade que lhe consome por dentro, estes podem ser mais corajosos do que qualquer um que está caminhando calmamente entre as pessoas ou que confiam nos outros com facilidade. Nem sempre percebemos o esforço que essas pessoas fazem para sair de casa, ir à luta e se tratar. Se possível, aplauda suas vitórias tão merecidas.

3) Há algumas questões dentro da gente que temos dificuldades de lidar, são os nossos pontos cegos. Por isso existe o outro em nossa vida, para nos avisar que vamos “bater o carro”. Existem pessoas perversas em quem não conseguimos confiar, mas isso não quer dizer que ninguém no mundo é confiável, aliás, quem não confia em ninguém morre aos poucos. Em situação de medo, tente ter ao seu redor quem lhe quer bem e consiga te acolher, pois passados alguns minutos, talvez o medo diminua com o calor dos braços alheios. Um outro tipo de abraço pode vir de um terapeuta, pois acredito que o melhor abraço do mundo não é feito de braços e mãos. O melhor abraço do mundo é feito de ouvidos e atenção.

4) Temos nossos limites de personalidade e algumas demandas internas nunca desaparecerão por completo. No meu caso, mesmo hoje eu conseguindo ir ao dentista e enfrentando esse medo, não quer dizer que um dia eu irei para o consultório cantando e assoviando tranquilamente para tratar dos meus dentes. Só de terminar o tratamento, me sinto como se tivesse ganhado a copa do mundo e tenho vontade de cantar We Are The Champions pela rua.

5) Existem situações que podem ser evitadas para não sofrermos à toa. Se eu tenho medo de altura, e meu local de trabalho se mudou para o último andar de um prédio bem alto, precisarei me esforçar para continuar empregado. Mas se você sabe que tem muito medo de altura não precisa testar seus limites ao máximo comprando ingresso no parque de diversões para enfrentar aquele brinquedo chamado Elevador, onde seu corpo desce e sua alma fica lá em cima. Essa coisa de “o céu é o limite” é uma tremenda bobagem. Ser corajoso é também saber dizer não para algumas situações, sem se preocupar com o que os outros vão pensar ou dizer de você. Devemos nos conhecer para cuidar melhor da gente.

6) Algumas questões na vida devem ser feitas hoje, sem enrolação. Pois se demorarmos muito, o problema cresce e o leão adulto é muito mais difícil de encarar do que um filhote.

E só para encerrar, e se alguém ficou curioso para saber, minha boca desinchou e meu molar foi salvo ou, pelo menos, uma parte dele. Não sou príncipe nem rei, mas colocaram-me uma coroa no dente.

Obs:  O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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