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Pinup sentia-se presa como se estivesse em uma caixa de fósforos, os palitos de fósforos bem apertadinhos.

Ele vinha toda noite e a levava para jantar; depois a usava até os ossos, até a madeira do palito de fósforo.

Uma noite ele não veio. Pinup esperou. Ela ficou ansiosa, roendo as unhas das mãos e pensou em roer as unhas dos pés. Mas achou os pés sujos da poeira do lugar em que estava presa.

Resolveu pegar uma vassoura e limpar. Como era um lugar pequeno, varreu muitas vezes, tantas vezes que começava a arranhar o chão.

Resolveu lavar as roupas. Tirou a roupa do corpo, e o corpo estava tão magrinho feito um palito de fósforo. Teve medo de triscar a cabeça sem querer na parede, e tocar fogo sem querer na caixa agora limpinha em que estava presa.

Resolveu esperar. E o relógio não ajudava, sempre ali, marcando a mesma hora, e talvez ainda fosse o mesmo dia em que ele passou com um Audi vermelho na frente da casa onde ela vivia com os irmãos, Menécio e Prometeu, e os pais estavam viajando, e os irmãos estavam dormindo, quando ele passou com o Audi vermelho, e a chamou de Pinup, e ninguém a havia chamado de Pinup antes, apenas de Atlas, e agora ela se lembra de tudo, ele abrindo a porta do carro vermelho, ela entrando maravilhada, ele colocando no nariz de Pinup um lenço embebido em alguma porção mágica, até ela acordar na caixa de fósforos, e ter medo de triscar a cabeça sem querer na parede, e inventar o fogo.

(“Até os ossos”, Patricia (Gonçalves) Tenório, 15/07/2017, 07h22)

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A partir de To the bone (2017), de Marti Noxon. 107 minutos. EUA. Com Lily Collins, Keanu Reeves, Carrie Preston, entre outros.

* Patricia Gonçalves Tenório escreve prosa e poesia desde 2004. Tem onze livros publicados, com premiações no Brasil e no exterior, entre elas, Melhor Romance Estrangeiro da Accademia Internazionale Il Convivio, Itália (2008) por As joaninhas não mentem, e Prêmio Marly Mota (2013) da União Brasileira dos Escritores – RJ pelo confjunto da obra. Defendeu em 17 de setembro de 2015 a dissertação de mestrado em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco, linha de pesquisa Intersemiose, “O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde: um romance indicial, agostiniano e prefigural”, sob a orientação da Prof. Dra. Maria do Carmo de Siqueira Nino. Acaba de ingressar (2017.1) no Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) no Doutorado em Escrita Criativa, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz Antonio de Assis Brasil.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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