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Alguém me pediu hoje que falasse sobre emoções reprimidas.
Lembro, então, uma história de cotidiano, que ilustra o tema:

Zoé não tinha mais que 11 anos.
Na escola, um conceituadíssimo educandário religioso, era considerada aluna exemplar. A que preço! – pensa hoje.

Era um dia de festa, com horário especial. Num colégio tão rígido, as festas não podiam  ocupar o dia inteiro. Ia  haver aulas até a metade do período, depois todos iriam  para o salão, onde aconteciam as solenidades.

Animada pelo pouco tempo de estudo que teriam,  ela pediu a sua mãe que a deixasse levar consigo sua irmãzinha mais nova, Sofia, misto de boneca e talismã, para que as colegas de classe  pudessem conhecê-la. Afinal, tanto já tinham ouvido suas histórias!

A pequenina, aos quatro anos, era linda, inteligente e, como entraria para aquela escola no ano seguinte, a concordância da professora (mestra de classe, como era chamada) para que fosse à festa, como visitante, estimulou ainda mais a realização do projeto.

Para  Zoé, aquele era um dia especial! Professora nata que já anunciava vir a ser, sentia-se prestigiada por sua mãe lhe confiar os cuidados com  a caçula da família.

E tudo ia às mil maravilhas…Na sala de aula,  Sofia se comportava maravilhosamente bem, encantada com tantas novidades e pessoas gentis a sua volta. Foi quando a irmã mais velha, Renata, que estudava na mesma escola, apareceu e, autoritariamente, levou a pequena com ela.

De nada  adiantaram os protestos de Zoé, nem o espanto de todas as meninas que assistiam à cena.  Renata viera acompanhada de um séqüito de mocinhas de sua própria série e o confronto desigual logo lhe valeu a vitória. Naquele mundo de hierarquias, idade era poder e Zoé teve que ver partir sua irmãzinha (que atônita, nada entendia) e se sentir humilhada, como quem tivesse se apropriado de alguma coisa que não lhe pertencia.

Pôs-se a chorar, seu prazer, arduamente conquistado, subitamente interrompido e ainda soluçava, impotente, quando a campainha do final do período veio avisar a hora de irem para os festejos.

Claro que seu coração não podia se conformar com celebrações, quando estava tão desolada, como uma mãe que perde seu bebê. Porque era assim, com toda essa carga dramática, que se sentia.

Mesmo chorando, foi metida numa fila e, como ainda lhe corressem as lágrimas ao chegar à porta do auditório, ouviu, não um consolo, mas uma advertência, vinda como ordem da mestra de classe:

– Agora, enxugue o rosto e lembre-se do que tem a fazer na festa! Não há tempo para choro. É hora do espetáculo!

E foi o que Zoé fez. Ali, e muitas outras vezes, pela vida afora. Engolindo o pranto como, aliás, já  exercitava em sua casa, quando a mãe, ao se cansar de ouvir choro de criança,  costumava ordenar, chinelo na mão:
– Engole o choro!

Já mulher adulta, Zoé, por vezes, sente o aperto no coração e na garganta, um desconsolo aparentemente sem motivo, quando precisa atravessar a fronteira entre a dor e o prazer. A cicatriz ficou, pelo pranto interrompido à força. Pela “cena” imposta, mascarando seu sentimento verdadeiro.

Pois, então, concluo: emoções reprimidas, de alegria ou tristeza, tornam-se nós, que impedem a energia de circular e provocam sintomas. Estes são sirenes que tocam, anunciando que há alguma coisa para salvar urgentemente: nossa alma.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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