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27/04/2017 10h33

Conheci o escritor paulista, nascido em Assis, residente em Porto Alegre, Luís Roberto Amabile (1977), em outubro de 2015. Virtualmente. Pesquisava sobre a Escrita Criativa em Ambiente Acadêmico para escrever um artigo[1] que em mim pulsava, e ele, “virtualmente”, respondia algumas perguntas minhas.[2] Algumas inquietações.

“– Essa discussão nunca fez muito sentido para mim. Nunca consegui entender porque a Escrita Criativa incomoda tanto as pessoas. Parece-me uma visão mística do escritor como um sujeito escolhido, ou ainda uma visão elitista, só os bem nascidos e que tiveram uma ótima formação cultural, sendo estimulados a ler e escrever desde cedo, podem escrever livros.

Quanto a estar ou não na academia, acho natural que alguém que queira escrever se interesse pelo menos um pouco por teoria e que, para mim, o contato com o ambiente acadêmico, a discussão de textos, torna mais palpável a literatura e a escrita, por mais que na hora do fluxo criativo, quando a coisa está fluindo, eu não pense em teóricos.

Mais duas considerações. Primeiro, os cursos de artes plásticas, cinemas, teatro existem há bastante tempo, inclusive com programas de pós-graduação, e os projetos de conclusão são eventualmente obras de artes, hoje em dia não se discute a validade desses cursos. E, segundo, já foi provado nas experiências em vários países que os cursos de EC na universidade dão bons frutos. Então que faça Escrita Criativa quem acredite ser válido e que fique longe quem não ache válido.” (AMABILE, 2013)

O segundo conhecimento foi há alguns meses no Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, onde cursamos o Doutorado em Escrita Criativa. Tornamo-nos colegas, muito em parte por causa daquela entrevista que atravessou o tempo, a distância e a impossibilidade que tornou-se realidade graças ao amor à ficção.

O terceiro conhecimento vem agora com O livro dos cachorros,[3] gentilmente presenteado por Amabile, nessa troca lúdica e utópica de livros entre escritores e que tentarei, infelizmente por causa do tempo – escrevo hoje, no voo de uma hora e meia de Porto Alegre para São Paulo, para postar domingo, 30/04/2017 –, passar de maneira breve algumas impressões.

Amabile segue o fio condutor, ou melhor, a coleira-guia de todos os cachorros do mundo. Cachorros que considera (até) bem melhores que os seres humanos.

“Outro trecho: Cachorro. Não sei por que o nome desse ser tão nobre é usado de forma negativa. É um desrespeito. Um disparate. Cachorros são puros e fiéis. São sinceros e encantadores. Os cachorros nos amam, senhor juiz, e podem inclusive nos fazer felizes. Muito.” (AMABILE, 2015, p. 55)

Mas não se enganem. Os 32 contos (entre eles filhotes-mini-contos) amabilianos não contam apenas cachorros e sua incontestável superioridade neste mundo caótico e frio no qual nos encontramos. Eles nos contam dessa inquietude, desse inquietante[4] tão próprio da natureza humana que, nos parece, a Literatura com L Maiúsculo nos propicia aliviar.

“O senhor K. seria um sonhador, mas, como sonhava apenas pesadelos, era mais um pesadelador. Podia fazer, o senhor K., esse uso do idioma, agregando palavras, porque o falava de um modo alternativo, sobretudo incomum. Na verdade, não era o seu idioma, e não o era duplamente. O senhor K. pertencia a um outro país, a um outro povo, e apenas por falta de opção, e por coerção, praticava aquele idioma.” (AMABILE, 2015, p. 31)

O comandante acaba de anunciar que estamos nos preparando para aterrisar em Congonhas, SP. Devo encerrar esta breve análise de um livro que tem muito mais a nos dizer, a nos contar, a nos granir, a nos sonhar.

Deixo, então, os leitores – assim como eu na escritura – com um gostinho de quero mais, e que esse gostinho de quero mais vença e nos leve até o final das mais de 120 páginas desse livro inquietante chamado O livro dos cachorros, de Luís Roberto Amabile.

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(1) Vide “A perda da aura nas Fotografias para Imaginar, de Gilberto Perin (e a Escrita Criativa em Ambiente Acadêmico)” em http://www.patriciatenorio.com.br/?p=7095

(2) Vide “Entrevista: escritor de volta à escola?” de Davi Boaventura a Luís Roberto Amabile no Jornal iTEIA em 09/09/2013: http://www.iteia.org.br/jornal/entrevista-escritor-de-volta-a-escola

(3) AMABILE, Luís Roberto. O livro dos cachorros. São Paulo: Patuá, 2015.

(4) Sobre esse “inquietante”, tratamos em “Sobre Não há amanhã, de Gustavo Melo Czekester, nesta mesma postagem do blog de Patricia (Gonçalves) Tenório. Vide: http://www.patriciatenorio.com.br/?p=7356

Obs: Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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