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Segundo a teoria psicanalítica, temos mecanismos de defesa inconscientes. O objetivo principal desses mecanismos é de nos “proteger” de pensamentos, realidades e situações que consideramos ameaçadoras ao nosso Eu. Usei aspas na palavra proteger, pois essas defesas, ou negações da realidade, se voltam contra a gente em forma de sintoma, neurose e sofrimento. Logo, é uma defesa secundária.

Um dos mecanismos que costumamos usar se chama projeção. É quando atribuímos ou colocamos na conta dos outros conteúdos internos que são nossos e que, por algum motivo, não estamos conseguindo lidar. Na maioria das vezes, nem sabemos que esses conteúdos existem dentro de nós. Geralmente são pensamentos, emoções inaceitáveis ou indesejáveis que possuímos. Sabe quando alguém está muito triste e olha no rosto da pessoa ao lado e diz: “O que aconteceu com você hoje que está com essa cara tão pra baixo”? Ou quando uma pessoa está extremamente desequilibrada emocionalmente e afirma que “quem está louco é você” ou que ela está louca por porque convivo com você?

Se essa projeção em relação a nós for coletiva, seja na família, no trabalho ou em qualquer outra instituição da qual fazemos parte, podemos nos sentir mais para baixo ainda e aceitar ou acreditar que os conteúdos vomitados sobre nós e em nós são verdadeiros, pois vemos um número maior de pessoas dizendo e perpetuando essa condição a nosso respeito. Elegemos pessoas para jogar nossas neuroses, pois em alguns momentos pode ser insuportável pensar que somos difíceis de nos relacionar, que temos pensamentos destrutivos e perversos dentro da gente ou até que a nossa presença não é tão bem vinda como imaginávamos.

Percebo em alguns pacientes que, quando conseguem, gradualmente, enfrentar suas resistências internas e não abandonam o tratamento terapêutico (devido às várias contingências que podem surgir num setting analítico), estes, aos poucos vão se conhecendo melhor e começam a projetar menos conteúdos nos outros, tendo consciência de pelo menos uma parte das próprias neuroses, passam a ter mais maturidade e percepção de algumas realidades existentes que precisam mudar. E uma delas é a de se responsabilizar pelo que dizem ou fazem aos outros e a si mesmos.

Uma questão importante que precisamos tentar aprender para não adoecermos psiquicamente é no investimento de devolvermos para o outro seus conteúdos neuróticos descarregados em nós. Às vezes podemos falar ou protestar, mas também temos a saída de conversarmos com a gente mesmo, entendendo que aquele xingamento, ironia, stress ou idealização era para ser suportado pelo próprio indivíduo que descarregou seu caminhão de angústias em nossa calçada.

Essa reflexão difícil de ser feita, é um benefício que a análise pessoal pode nos proporcionar. Além de identificarmos o material psíquico que necessitamos tratar e melhorar, com o tempo começamos a enxergar qual é a doença que vem de nós e qual é a que vem do outro. Então talvez sintamos menos culpa e até menos raiva das dificuldades do outro, pois entendemos que aquilo que está sendo depositado em nós, como se fôssemos uma privada de banheiro de rodoviária, não é nosso e sim de quem não está sabendo lidar com suas crises internas.

O psicanalista Ivan Capelatto gosta de chamar essas pessoas mais conscientes ou analisadas de lúcidas. O sujeito lúcido é o que “possui luz”, clareia ou enxerga o problema. Capelatto continua dizendo que precisamos de mais gente com essa lucidez no mundo, pois estas conseguem suportar de uma forma melhor a angústia inerente a todos os seres humanos, dando um destino menos destrutivo e mais criativo para esses conteúdos de sua vida. Esses quando estão em crise, tentam descobrir caminhos pra si em vez de culpar o vento, o cachorro, a sociedade, a família etc.

Confesso que pensar e tentar não projetar no outro todas as nossas angústias e mazelas da vida é um caminho árduo, mas também pode ser libertador, pois aos poucos começamos a conhecer melhor a nós mesmos e diretamente afetar de forma positiva quem está ao nosso redor.

Quem se enxerga, enxerga o outro. Quem não se percebe como um ser errante e portador de neuroses está preso dentro dele mesmo, achando que é o carcereiro, mas, na verdade, é o presidiário.

Obs:  O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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