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Nos últimos dois séculos, em nível mundial, houve um processo crescente de organização e luta pela conquista de direitos individuais e coletivos, de caráter civil, político, social, econômico e cultural. Na década de 1960, também começaram a aparecer movimentos ambientalistas e contraculturais. Eles surgiram como reação ao aumento dos riscos sociais e ambientais, resultantes do avanço da sociedade industrial e do aprofundamento da lógica capitalista.

Desde então, Conferências, Tratados, Acordos e Protocolos Internacionais vêm apontando a necessidade do uso racional e equilibrado do meio ambiente. A Constituição Brasileira, promulgada dia 5 de outubro de 1988, chama a atenção neste sentido. Em seu artigo 225, afirma: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Este princípio serve de base para o que poderíamos chamar de cidadania ecológica.

A temática da ecologia, cujo dia comemorativo é 4 de outubro, abriga um conjunto variado de compreensões, significados e práticas. Na ótica ocidental se verifica forte tendência a uma visão mais utilitarista e mercadológica dos bens naturais, enquanto que na perspectiva indígena a natureza se reveste de um caráter sagrado. Os Quéchuas do Peru, por exemplo, referem-se à Terra como Pacha Mama (mãe), com quem estabelecem relações de respeito e integração. O cacique Seatle, da tribo Suquamish, ao escrever para o presidente dos Estados Unidos, em 1855, traduziu bem essa concepção: “Somos parte dessa terra e ela faz parte de nós”.

Os Tupi Guarani historicamente alimentam o sonho de uma Terra Sem Males, à semelhança da Terra Prometida para o povo hebreu. Naquele lugar imaginado reinaria a paz, a abundância, a felicidade, a harmonia e não se morreria jamais. O paradigma indígena é ecológico, embora eles nem utilizem essa expressão. Através de sua prática, apontam para uma ecologia integral, que inclui a preocupação com outro tipo de sociedade, com outra maneira de pensar o desenvolvimento, e, necessariamente com o bem-estar da natureza.

Com a Eco-92, a questão ambiental deixou de ser “refém” dos movimentos estritamente ambientalistas. Problemas como saneamento, coleta de lixo, poluição atmosférica, desmatamento, agressão aos rios, contaminação das águas, aquecimento global e outros foram mais e mais se transformando em assuntos políticos de interesse coletivo. Esta mudança de enfoque se deu muito em face da constatação de que a lógica que promove as gritantes desigualdades socioeconômicas é a mesma que depreda a natureza, saqueia e privatiza seus bens, não se importando com os malefícios causados contra povos e gerações inteiras.

No Brasil, as mazelas sociais têm raízes profundas. Apesar dos diversos programas e políticas governamentais, a miséria persiste. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (2005), que analisou 177 países, somos a 8ª Nação com as maiores desigualdades sociais do mundo. O relatório mostra que 46,9% da renda nacional está nas mãos de 10% da população mais rica e que somos exemplo de má distribuição das riquezas. De acordo com o documento, “a renda dos 10% mais pobres do Brasil é menor que a dos 10% mais pobres do Vietnã”.

Com base em tais cenários que se reproduziam pelo mundo, em 1992, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou o dia 17 de outubro como Jornada Internacional para a Eliminação da Pobreza. Conforme o Censo 2010, divulgado pelo IBGE, o Brasil ainda tem 16,26 milhões (8,5% da população) em condições de pobreza extrema. Destes, 4,8 milhões sobrevivem sem renda e 11,4 milhões vivem com renda inferior a R$ 70 mensais. Os dados mostram que o Nordeste é a região que mais sofre com o problema, contando com 9,6 milhões de habitantes extremamente pobres, seguido pelo Sudeste, com 2,7 milhões. Quanto ao perfil, 71% da população pobre é parda ou preta, 47% vive no campo e 51% têm, no máximo, 19 anos.

Para Leonardo Boff, o maior problema ecológico da atualidade é a sociedade dividida em classes e a consequente exclusão social. O enfrentamento desse problema exige, pois, a consolidação da justiça socioambiental, que passa pela garantia da água como direito público e universal. Passa pelo direito ao ar puro, à moradia digna, ao trabalho decente, à segurança, ao “pão” e à “beleza” para todos. Requer a promoção da eqüidade, da solidariedade, da democracia, da sustentabilidade e do cuidado, capaz de possibilitar a existência humana enquanto humana e garantir a vida de todos os seres que habitam a Casa Comum.

Na sociedade de risco em que vivemos, há uma estreita ligação entre desigualdade econômica, injustiça socioambiental e doença. No tocante à saúde pública, é possível identificar múltiplas causas que conduzem à morte. Entre elas estão as doenças do atraso e as doenças do avanço. As primeiras resultam da ação do capitalismo excludente, como a má qualidade da água, a falta de saneamento básico, as péssimas condições de moradia, de trabalho, alimentação, etc. As doenças do avanço são aquelas oriundas do estilo de vida moderno que gera aumento incontrolado de “lixo” e crescente degradação ambiental.

A partir de 2005, a Igreja Católica no Brasil comemora o dia 8 de outubro como o Dia do Nascituro, referindo a vida humana como direito inalienável a ser defendido desde seu início até seu fim natural. Em última análise, a comemoração inspira-se nas palavras de Jesus que disse: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Também se alinha com a Constituição Brasileira que, em seu artigo 5, assegura a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A vida só se viabiliza mediante uma série de condições básicas, entre as quais a alimentação. A propósito, desde 1981 comemora-se o dia 16 de outubro como Dia Mundial da Alimentação, aludindo à criação, em 1945, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Com essa data, pretende-se promover a conscientização sobre o problema da fome e da desnutrição, bem como estimular ações capazes de enfrentar tais situações. Estima-se que em todo mundo haja cerca de 800 milhões de pessoas sofrendo com a insegurança alimentar, ou seja, que não dispõem de alimentação saudável em quantidade e quantidade suficiente de modo permanente.

Diante das carências materiais – retrato das desigualdades e injustiças socioambientais – multiplicam-se iniciativas de movimentos sociais, igrejas e organizações, bem como políticas públicas com vistas a garantir às populações excluídas o direito a ter direitos de fato. O direito à vida precede a todos os outros direitos, os quais assumem sua escala de importância na medida em que a asseguram e promovem. Existir ou apenas sobreviver não é o bastante. A todos valha o que é de todos: o direito de viver com dignidade e responsabilidade! (24.08.11)

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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