(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio)
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Artur morava no ventre de Claudineia. Ali começou sua vida, primeiro de sementinha, depois de células que se juntaram e foram crescendo, até poder ser visto no ultrassom por sua mãe e pelo pai, Klebson Cosme da Silva. Crescia forte e saudável. Sorvendo a vida do corpo de sua mãe, nadava no líquido do qual em breve sairia. Sentia-se seguro.
A ultrassonografia mostrava um menino saudável, que nasceria de parto normal a qualquer momento. O nascimento era aguardado, e o pequeno Artur teria a sorte que nem todas as crianças têm de ser bem amado. Tudo já estava pronto: berço armado, enxoval comprado, tudo organizado. Parentes e familiares se alvoroçavam à espera da chegada do bebê.
Na sexta-feira, 30 de junho, ele se tornou mais uma vítima da violência antes mesmo de nascer. Claudinéia dos Santos Melo, de 29 anos, ao voltar do supermercado para casa, em Caxias, foi atingida por uma bala perdida. O tiro perfurou a região da bacia e atravessou o corpo do bebê, perfurando um dos pulmões e provocando uma lesão na coluna. A mãe sobreviveu e os médicos fizeram uma cesariana de emergência para salvar as duas vidas.
Artur permanece internado em estado grave e corre o risco de ficar paraplégico. Claudineia também continua internada, mas já fora de perigo.
A violência que assola a cidade, o país, o mundo, está mudando paradigmas e joga por terra todas as expectativas. Até o ventre materno, que em todas as culturas sempre foi o lugar mais seguro, agora é vulnerável. As balas que saem das armas de bandidos e policiais encontraram os ventres grávidos e atingiram a jovem Claudineia e seu bebê Artur.
O ventre da mulher é a sede da vida. Desde que o mundo é mundo a capacidade da mulher de hospedar a vida, protegê-la, nutri-la e fazê-la crescer com seu próprio corpo foi olhada com desconfiança e inclusive despeito pelos machos que não tinham essa prerrogativa. O homem dominou a mulher pela força física, mas jamais foi capaz de gestar, alimentar, nutrir e fazer crescer uma nova vida dentro de seu próprio corpo.
Ano após ano, as barrigas das mulheres crescem abrigando suas crias. E não há coisa mais bonita de se ver do que um ventre túrgido, habitado por um filho cheio de promessas e de futuro. Orgulhosas, elas empinam seus ventres, proclamando a vida que teima em nascer e renascer. Dentro de si carregam seus bebês e acreditam estarem protegidos contra tudo e contra todos. Infelizmente não foi assim para Claudineia e Artur.
Não é possível que tenhamos chegado ao ponto de a violência ameaçar inclusive o sagrado direito à segurança na barriga da mãe que traz ali um bebê. Artur teve seu direito interrompido e violado. O líquido quente e protetor da barriga de Claudineia foi substituído pela frieza da incubadeira e da sala de cuidados intensivos. Os tubos penetram seu corpinho para manter os sinais vitais funcionando.
O pai o visita frequentemente e diz que o filho é um guerreiro. Os nove meses passados no ventre da mãe o ajudam a enfrentar o primeiro embate da vida. Que Deus seja a proteção e a segurança de Artur agora que, fora do ventre de Claudineia, luta para sobreviver com saúde.
Que Deus proteja os ventres das mães que por Ele foram criados como lugar privilegiado de segurança e proteção para as novas vidas que vêm a este mundo.
Obs: Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
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