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“Num mundo em que há migalhas e esperdícios, pratos cheios de restos enfastiados, e bocas que salivam sem ter pão;

e em que há crianças tristes, maltrapilhas, que não terão nem livros nem recreios, nem mesmo infância no seu coração;

num mundo onde os enfermos são tratados com a caridade irônica dos homens, proprietários dos próprios hospitais;

onde alguns já nasceram infelizes, e hão de viver sem segurança e paz, sem meios de lutar, abandonados, e outros, trazem do berço as regalias que hão de inutilizar, despreocupados;

num mundo, onde há mãos cheias, trasbordantes, e há mendigando, pobres mãos vazias; onde há mãos duras, ásperas, cansadas, e suaves mãos inúteis e macias;

onde uns têm casas grandes, com jardins, e outros, quartos estreitos, sem paisagem;

num mundo onde os artistas prisioneiros fazem “roda” nos mesmos quarteirões, sonhando sempre uma impossível viagem;
e há homens displicentes, nos navios, carregando “kodaks” distraídas que têm mais alma que os seus olhos frios,

num mundo onde os que podem não têm filhos e os que têm filhos, quase sempre lutam porque não podem constituir um lar.

num mundo, onde ao mais leve olhar humano vê-se que não há nada em seu lugar.

e onde, no entanto, fala-se em Direito, em Justiça, em Razão, em Liberdade;

num mundo onde os que plantam, pouco colhem e os que colhem, não sabem, na verdade, de onde vêm as colheitas que consomem;

num mundo, onde uns jejuam muitos dia, e outros, por vício, muitas vezes comem;

sinto a angústia fatal de ter nascido e a suprema vergonha de ser homem!”. José Guilherme de Araújo Jorge , poeta alagoano.

O ser humano é estranho, alguns com toques de crueldade e excessivamente egoístas. Sempre encontra justificativa para seus objetivos que, às vezes, são tão espúrios quanto os meios para alcançá-los.

Ditados como “no amor e na guerra vale tudo” animam as pessoas a serem perversas até mesmo quando amam. O que é uma tremenda contradição. Traem a quem amam, batem e humilham seus companheiros/as, matam em nome do amor.

Procria para perpetuar a espécie e, muitas vezes, nem se importa muito com suas crias. Outras vezes se importa tanto que, novamente, entra em contradição e estraga a prole não a preparando para a vida,  para conviver com o diferente, com os nãos ou até mesmo para  ser uma pessoa do bem.

O amor entre os seres humanos é complicado, às vezes cercado de sentimentos ruins, ciúme doentio, sentimento de posse, transformando o ser amado em um objeto.

O ser humano é estranho, caça pelo prazer de matar, abandona animais de estimação quando estão velhos ou doentes, abandona até mesmo seus pais, quando ficam velhos, largando-os em asilos onde nunca irá visitar.

E parece que, ultimamente, o ser humano tem conseguido a façanha de piorar suas atitudes e sentimentos. Como, por exemplo, temos visto aqui mesmo, no Brasil, nos últimos três anos. Parece que soltaram o vírus do ódio no ar e, onde quer que a gente se vire, nos deparamos com pessoas impacientes, irritadas, intolerantes.

No trânsito se paramos antes do sinal para não fechar o cruzamento, tem sempre alguém atrás da gente buzinando, gesticulando, reclamando, pelo fato de estarmos cumprindo o que manda o código de trânsito e o bom senso, evidentemente. Bom senso? Ih! Essa palavra já foi banida dos dicionários brasileiros faz tempo, junto com a ética, a honestidade, a solidariedade, a compreensão… e um sem número de palavras que as pessoas esqueceram.

Entre familiares e amigos a coisa está pegando. “Quem não está comigo está contra mim” é a máxima de vida hoje de muita gente que conheço. E, a questão da divergência política tem desencadeado muito ódio e violência, tanto física quanto moral.

Amigos de mais de 25 anos veem se desfazer a amizade porque não comungam da mesma opinião política. Whatszap, telegrama, e-mail, Facebook, pegam fogo com a troca de farpas, indiretas, agressões gratuitas e às vezes até ódio, muito ódio.

O ser humano é mesmo muito estranho. Ama e odeia com a mesma intensidade. Coloca em um pedestal hoje e amanhã derruba no chão, sem dó nem piedade. Muitos acreditam em tudo o que veem e ouvem nas mídias e na internet. Desligam o senso crítico e saem batendo em tudo que encontram pela frente e que seja diferente do que está defendendo no momento.

O ser humano está perdendo a sua capacidade de discernimento. Acredita em patos amarelos, em delações premiadas, na inocência de corruptos, chegando ao absurdo de preferir acreditar na convicção em detrimento das provas.

O ser humano é muito estranho. Defende seu time de futebol com unhas e dentes, briga se alguém falar mal de seu jogador preferido, mas não mede palavras para falar mal de político ou de qualquer pessoa conhecida que se tenha declarado do outro lado de suas convicções. Convicções? Nem mesmo sei se podemos dar essa a defesa insana da luta contra a corrupção, enquanto aplaude os corruptos que assumiram o comando.

Recentemente temos o exemplo do cantor e compositor Chico Buarque que voltou a ser o alvo do ódio desmedido dos que não permitem que a razão fale e foi xingado, de todas as formas, nos comentários de uma notícia postado por um veículo de comunicação, falando sobre o lançamento do novo CD agora em agosto.

Muitas vezes reclama da comida bem ou mal passada no restaurante chique, briga com o garçom porque o chope está quente ou o vinho não é da safra certa.  Mas, fica calado diante da pobreza que voltou a aumentar, da fome que voltou a matar, da miséria que voltou a se espalhar pelo país.

O ser humano é muito estranho e esse comportamento absurdo, esse ódio todo que não tem um por que lógico, o preconceito de cor, de classe, o machismo e a homofobia que perderam a vergonha e  mostram a cara e o desprezo a toda hora, me têm causado muita tristeza e angústia em não saber onde tudo isso vai dar. E, em alguns momentos, chego a parodiar o poeta J.G. de Araújo Jorge e dizer pra mim mesmo que “sinto a suprema vergonha de ser brasileira”.

Obs: A autora é  jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação.
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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