Padre Beto 1 de julho de 2017

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Apesar de ser um gênio da arte de lutar, Misawa Ihei é um ronin (samurai sem mestre) que não consegue encontrar emprego. A necessidade de sobrevivência o leva a lutar por dinheiro, o que faz com que acredite que já não seja digno de viver como um samurai. Um dia, depois de uma tempestade, o lorde de um feudo, impressionado com suas habilidades, o convida para ser o mestre de seus lutadores. Ihei fica encantado com a oferta, mas não sabe o quanto terá que lidar com a inveja dos outros lutadores. Kurosawa faleceu na época em que finalizava este roteiro baseado em um conto de Shugoro Yamamoto. Filmado após a morte de Akira Kurosawa, pelo seu fiel assistente de direção Takashi Koizumi, “Depois da Chuva” é um dos últimos roteiros do mestre oriental.

Sorte, azar, destino, coincidência, força das circunstâncias, enfim, se olharmos para nossa história encontraremos, com certeza, inúmeros acontecimentos e situações que não estavam previstos nem deveriam ter acontecido se a vida tivesse tomado o seu rumo lógico. Às surpresas que a vida nos oferece, damos, muitas vezes, o nome infeliz de “acaso”. Quando este representa algo muito desagradável transforma-se em “fatalidade”. Porém, se refletirmos melhor sobre as situações que vivemos, compreenderemos que acaso e fatalidade são frutos de uma preguiça mental. Muitas vezes, recorremos a eles ao invés de nos esforçarmos para descobrir a ordem que existe por detrás de situações “não explicáveis”. O problema é que ao optarmos pelo acaso ou pela fatalidade perdemos a chance de entender a mensagem, muitas vezes de caráter vital, que a vida procura nos transmitir.

O ser humano não nasceu para ser ostra. De forma consciente ou não, ele vive em constante relação comunicativa consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Esta comunicação é sempre um diálogo, ou seja, não somente o ser humano possui a palavra, mas também a vida. O segredo da felicidade está, justamente, em aprender a linguagem da vida e ter a paciência de ouvi-la. Como dizia Homero, “a marca da sabedoria é ler corretamente o presente e marchar de acordo com a ocasião”. Qualquer acontecimento da vida é uma mensagem que nos oferece orientação para continuarmos a caminhada. As circunstâncias nos ensinam quem na verdade somos, como estamos conduzindo a vida, quem vive ao nosso redor e quais as perspectivas que temos para sermos mais felizes. Além dos fatores que independem da nossa vontade, muito do que acontece em nossa vida é consequência da forma que interagimos com as circunstâncias. Neste sentido é necessário resgatar uma figura que está esquecida em nosso imaginário: a figura do guerreiro. Os orientais possuem a personagem do samurai, enquanto que em nosso imaginário cristão ocidental temos a figura de São Jorge. Este santo que possui raízes históricas perdidas esteve presente em toda a história do cristianismo e se firmou no Brasil através do sincretismo religioso e hoje está muito mais presente na Umbanda do que no cristianismo católico. Porém, a figura do santo guerreiro se faz necessária nos dias atuais, pois ele reúne características que faltam em nossa população: a atitude da luta contra o mal, a sabedoria de saber lutar, a não acomodação diante das injustiças, a iniciativa de ser responsável diante de qualquer situação. O guerreiro é santo, porque luta contra o mal e, portanto, se torna um verdadeiro revolucionário. Ele é invejado, pois, afinal, possui iniciativa de ser, mas não se intimida diante dos invejosos uma vez que sabe que a inveja é característica dos fracos e incompetentes. O santo guerreiro não é alienado, pois consegue ver o mal que está a nossa volta: o neoliberalismo individualista, a ineficiência do Estado, a corrupção presente em nossa cultura, a falta de idealismo de muitos partidos políticos e sindicatos, etc.

A sabedoria do santo guerreiro não surge somente da cultura dos livros, mas principalmente da atenção e do respeito diante do cotidiano. É necessário conscientizarmo-nos de que nada em nossa vida acontece por acaso. Tudo possui sua razão de ser e constitui-se em um discurso a ser “lido”. Fundamental é procurar aprender com as circunstâncias, por pior que sejam e, em uma perfeita interação com a vida, torná-la algo bom, combatendo o mal. Nós já tivemos em nossa história latino-americana e brasileira, muitos santos guerreiros. Eles estão em falta hoje em dia. Sua falta faz com que nos acostumemos com o dragão da maldade em suas diversas formas.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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