[email protected]

1 – DOS SEGREDOS DO PAI
Mateus 11,35-40

Nosso encontro, hoje, é com o Senhor que celebra alegremente a ternura do Pai que privilegia aqueles e aquelas que o mundo menospreza e exclui. Cantaremos, com mais alegria do que nunca, “porque o Senhor é bom” e revela seus segredos aos que os sábios e entendidos do mundo considera ignorantes.

Se, durante a semana que passou, tivermos tido ouvidos para ouvi-los, as crianças, os idosos, os iletrados, os bêbados, as prostitutas, os marginais, aqueles e aquelas que ninguém escuta, chegaremos enriquecidos, preparados e motivados para escutar o alegre desabafo de Jesus.

Cantaremos suavemente porque a ternura do coração de Cristo, “manso e humilde”, nos contagia e nos faz repousar.

* * * * *
Enquanto lá por cima os poderosos tramam e conchavam em função dos seus interesses mesquinhos, deixando a população perplexa e preocupada com o que está acontecendo e, sobretudo, com o que poderá acontecer…

Enquanto uma parcela mais consciente e inquieta sai às ruas protestando e exigindo justiça e respeito a seus sagrados direitos…

Muita gente, infelizmente, dessa mesma população prejudicada e ameaçada, parece não entender o que está acontecendo, se incomoda com as greves e os protestos, e se preocupa apenas com sua situação pessoal e seus interesses imediatos…

É feito o avestruz, que quando perseguido pelo caçador, põe a cabeça na moita pra não ver, e acredita que o caçador também não o está vendo.

Quem lucra com isso são os poderosos, pois, com tanta gente inconsciente e acomodada, fica mais fácil explorar o povo, mantê-lo na escravidão e sugar o seu sangue…

Felizes as pessoas que entendem que Deus nos quer conscientes e unidos, lutando por nossos sagrados direitos, e trabalhando por um mundo de justiça, de igualdade e de paz, onde todas as pessoas “tenham vida, e vida em abundância”.

2 – Papa Francisco, falando aos participantes do 3º. Encontro dos Movimentos Sociais Populares do mundo inteiro (Cidade do Vaticano, novembro de 2016), nos aponta um importante desafio:

“Vocês, organizações dos excluídos e tantas organizações de outros setores da sociedade, são chamados a revitalizar, a refundar as democracias que estão passando por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação da limitação que os reduz a atores secundários, ou pior ainda, a meros administradores da miséria existente. Neste tempo de paralisias, de desorientação e de propostas destrutivas, a participação como protagonistas dos povos que buscam o bem comum pode vencer, com a ajuda de Deus, os falsos profetas que exploram o medo e o desespero, que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade ou de um bem-estar egoísta e uma segurança ilusória.

Sabemos que “enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais” (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 202). Por isso, disse e repito, “o futuro da humanidade não está somente nas mãos dos grandes líderes, das grandes potências e das elites. Está, sobretudo, nas mãos dos povos; na sua capacidade de organizar-se e também nas mãos que irrigam, com humildade e convicção, este processo de mudanças” (Discurso ao II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, 9 de julho de 2015).”

“Vem, vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer!”

3 – PARÁBOLA DO SEMEADOR
Isaías 55,10-11 – Mateus 13,1-23

Jesus parabenizou, um dia, “os que têm fome e sede da justiça”. Somente estes e estas serão capazes de entender a linguagem poética das parábolas:

gente tocada pelo Mistério de Deus que se esconde por trás de cada coisa, de cada pessoa, de cada acontecimento, dos sinais da História e dos sinais da Natureza…

Gente, como Maria, “que meditava todas essas coisas em seu coração”.

Os entendidos do mundo, os que se consideram “realistas”, acreditam apenas no que veem, isto é, na superfície das coisas, na exatidão dos cálculos, no único valor que interessa a sua cobiça, o lucro material.

Para estes, os poetas vivem “no mundo da lua” e, com certeza, nossa liturgia, nosso canto é mera ilusão e perda de tempo.

Nós, porém, nos alegramos porque as sementes do Reino brotam em nossas vidas e cantamos uma “esperança que não engana”.

* * * * *

Esta semana e a próxima poderão ser decisivas para os rumos que esse país precisa tomar. Do Congresso se aguarda a decisão sobre a trama da “Reforma Trabalhista” e sobre o processo de cassação do corrupto e usurpador Michel Temer… O Movimento Sindical e os Movimentos Sociais Populares, de olho e de molho, estarão atentos a tudo, e precisarão mobilizar toda a população. Somente a pressão popular massiva poderá dar um novo rumo à vida do país, na direção da salvaguarda dos sagrados direitos da Classe Trabalhadora e de todo o povo.

Esse será um teste decisivo para nós cristãos e cristãs, para uma “Igreja em saída”: por nossa solidariedade e participação nas lutas de todo o povo, permitir que as “sementes do Reino da Justiça e da Paz” germinem nesta terra.

4 – Papa FRANCISCO nos convoca para a luta pela inclusão social dos pobres:

<<Animados pelos seus Pastores, os cristãos são chamados, em todo lugar e circunstância, a ouvir os clamores dos pobres, como bem se expressam os Bispos do Brasil: “Desejamos assumir, a cada dia, as alegrias e esperanças, as angústias e tristezas do povo brasileiro, especialmente das populações das periferias urbanas e das zonas rurais – sem terra, sem teto, sem pão, sem saúde – lesadas em seus direitos. Vendo a miséria, ouvindo os seus clamores e conhecendo o seu sofrimento, escandaliza-nos saber que existe alimento suficiente para todos e que a fome se deve à má repartição dos bens e da renda. O problema se agrava com a prática generalizada do desperdício” (CNBB, Exigências evangélicas e éticas de superação da miséria e da fome, abril de 2002, Introd. 2).

Mas queremos ainda mais, o nosso sonho voa mais alto. Não se fala apenas de garantir a comida ou um decoroso “sustento” para todos, mas “prosperidade e civilização em seus múltiplos aspectos (João XXIII, Carta Encíclica Mater et Magistra, 15 de maio 1961, 402). Isto engloba educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente o trabalho, porque, no trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime o acesso adequado aos outros bens que estão destinados ao uso comum.>>

Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, 191-192. Os grifos são nossos.

 Será que dá para entender que é tudo isto que está em jogo neste momento?oL

Será que dá para entender que nossa “comunhão”, na Missa, tem tudo a ver com a nossa participação nas lutas do Povo?

5FÉ CRISTÃ, OPÇÃO E LUTA DE CLASSE NA BÍBLIA

“Estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir” (1ª. Carta de Pedro 3,15b).

No ventre de Maria, Deus se fez homem. Mas a oficina de José Deus também se fez classe.”

O Verbo se fez carne. O Verbo se fez pobre, o Verbo se fez índio… Planta entre nós a sua maloca.” (D. Pedro Casaldáliga).

Quem leu os relatos da Criação (Gn 1,26-31; 2,5-7.15), e se deu conta da dignidade do ser humano e da sua responsabilidade com a Criação…

Quem leu a história do Êxodo (1,8-3,14), e percebeu a trama da História, feita de dominação e escravidão, de opressores e oprimidos, onde Deus se faz presença, tomando partido, e garantindo aos oprimidos um futuro de liberdade e de vida em plenitude…

Quem escutou o Profeta Isaías (Is 11,1-9; 25,1-5;29,18-22; 58,6-10; 61,1-9; 65,17-25), e se deu conta de que, ao longo da História, Deus se revela sempre o mesmo, fiel a sua opção pelos oprimidos, reacendendo, em cada etapa da História, o sonho de um Mundo Novo, onde os sem vez, os empobrecidos e marginalizados terão vez e desfrutarão plenamente do fruto do seu trabalho…

Quem costuma orar e louvar a Deus com os Salmos (10 – 70 – 72 – 124 etc.), e aprendeu a invocar confiantemente a um Deus, em quem se crê como presença fiel e libertadora a toda pessoa, a toda nação, pobre e oprimida…

Quem aprendeu a glorificar a Deus com o Cântico de Maria (Lc 1,47-55), resumo vibrante de toda a experiência de fé do povo do Primeiro Testamento, proclamada nos albores do segundo, celebrando na esperança o cumprimento das eternas promessas: o fim de toda soberba e prepotência, e de toda humilhação, de toda acumulação injusta e de toda indigência…

Quem, um dia, se surpreendeu com as Bem-Aventuranças – e as maldições – de Jesus de Nazaré (Mt 5,1-12; Lc 6,20-26) ou com o anúncio do Juízo Final (Mt 25,31-46), e percebeu claramente qual é a opção existencial e militante do carpinteiro (Mc 6,3), filho de Maria e de José Carpinteiro (Mt 13,55), o Filho de Deus …

Quem se espelha no retrato da primeira comunidade cristã (At 2,42-47; 4,32-35), e se empolga com essa possibilidade concreta de um mundo sem abastados e necessitados …

Quem lê quanto escreveu Paulo em sua 1ª. Carta aos Coríntios (Co 1,26-31), e aprendeu a lição maior da Cruz, onde Deus deixa claro qual é a sua opção…

Quem sentiu a força do que diz Tiago sobre operários e patrões em sua Carta (Tg 2,1-9; 5,1-6) …

Quem, finalmente, alimentou o mesmo sonho de João, narrado no Apocalipse, ponto terminal da História humana, quando finda toda dor, com a experiência definitiva e plena do DEUS-CONOSCO (Ap 21,1-5) …

Como não despertar para uma forte consciência e/ou opção de Classe? …

Como não se motivar para engajar-se nas lutas da Classe Trabalhadora e de todos s oprimidos e excluídos, de todas as oprimidas e excluídas? …

Como não opor-se a toda acumulação egoísta, toda opressão, exclusão e humilhação? …

Como não condenar todo luxo e opulência, todo esbanjamento e desperdício, todo consumismo? …

Como não assumir as dores das legiões de vítimas de todos os tipos de violência gerados pela desigualdades, pelas injustiças, pelos preconceitos, pelos fundamentalismos de toda sorte? …

Como não se levantar contra a depredação e a devastação do nosso patrimônio maior, a Mãe Terra, a Natureza ameaçada de extinção pela ganância e arrogância de meia dúzia de pretensos donos do mundo? …
Como não engajar-se na luta por um outro mundo, onde todos e todas caibam e possam “viver e não ter a vergonha de ser feliz… e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”? …

Como não abraçar a causa da dignidade e da vida em plenitude para todos e todas, filhos e filhas de Deus, nossos irmãos e irmãs de Humanidade? …

* * * * *
Com essa compreensão poderemos rezar o PAI NOSSO, sintonizando com as finezas do coração de Jesus, que, somente assim, imaginava que se pudesse:

– “santificar”, isto é, honrar o nome de Deus – do contrário o estaríamos desrespeitando…

– ansiar honestamente pela vinda do Reino, aqui e agora: “Venha a nós o vosso Reino”…

– desse que “seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu”…

– e se comerá “o pão nosso de cada dia”, que não faltará em nenhuma mesa…

– e se terá a certeza do perdão do Pai, porque “perdoamos a quem nos tem ofendido”, uns e outros tendo abandonado as práticas de opressão e exclusão…

– e seremos livres da “tentação” de regredir às antigas práticas de dominação e acumulação…

– e seremos livres de todo “mal”.

* * * * *
Neste dia, teremos entendido verdadeiramente a primeira das “Bem-Aventuranças” e seremos “felizes”, e seremos os “bem-aventurados” do Reino, e do Cristo receberemos os “parabéns”!

Obs: Reginaldo Veloso de Araújo é Presbítero das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, no Morro da Conceição e Adjacências, Recife-PE. 
Compositor litúrgico, com diversos CDs gravados pela COMEP/Paulinas e pela PAULUS
Assistente adjunto do Movimento de Trabalhadores Cristãos – MTC-NE2
Assessor pedagógico do Movimento de Adolescente e crianças – MAC e do PROAC
Membro da Equipe de Reflexão sobre Música Litúrgica do Setor de Liturgia da CNBB
Mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana – PUG (Roma, 1962)
Mestrado em História da Igreja, pela PUG (Roma, 1965).     

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]