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Foi numa viagem ao Gancho, ou melhor, Divinópolis do Tocantins, cidade situada a 125 quilômetros de Palmas, Capital, e próxima de Paraíso do Tocantins. Íamos, o cantador e aprendiz dos elementais (as árvores entidades ancestrais desse cerrado quase cerrado tocantino), Dorivã, também conhecido como “Passarim do Jalapão”; o poeta e decifrador de pedras (com seus delírios e signos transumanos), Paulo Aires Marinho; e eu, este escrevinhador oportunista da rodada.

A certa altura, passando por alguns municípios, mencionei que as nossas cidades brasileiras são feias. Nenhum dos dois discordou. Essa pequena lembrança me vem à baila quando, depois de me mudar para Palmas, estava visitando Gurupi. Lugar onde me criaram, me criei e me descriei, apesar da teimosa natalidade severina e brasiliana.

Os nomes das nossas cidades até que são bonitos. Por isso, o Paraíso bi-oportuno ali atrás. Mas penso que ficamos apenas nisso. Todas parecem sofrer da Síndrome do Sine Qua Hominis. (Não, não adianta jogar no Google, é tudo invenção minha para tentar falar sobre essas cidades povoadas por homens sem rosto, sem lenço, mas com muitos documentos, ao contrário do caetaneado bordão).

Gurupi me tomou um pedaço. Foi o velho Gabo quem me contou. Ele me disse que só pertencemos a um lugar quando temos um morto enterrado nele. Estou engurupizado. Além dos mortos, enterrei ali a minha juventude e a bandeira do adolescente que pensava mudar o mundo. E tudo porque não sabia que ele continua o mesmo e antigo e sorrateiro bonachão, guardando no bojo a artimanha que permite a nossa procriação: a retina 3.0 do jovem que vê no mesmo o novo. Limpa das asperezas e das demências humanas do mundo.

Nossas cidades já nascem velhas. E falar dos seus problemas sociais é mais do mesmo. São barrocas na sua essência. Um painel assustador do velho e do novo, da vida e da morte, da alegria e da tristeza, da ascensão e do pó. Se “as casas são túmulos para os vivos” e se a nossa única riqueza é ver, como afirmou Pessoa, já nascemos abortados, todos cegos e mortos.

Nossas construções são gigantescos mausoléus de cimento, aço e espelho, onde a vida humana e a gentileza passam ao longe. Ruas e vias abarrotadas de concretos e máquinas, onde o humano não pode transitar. Parques e praças mais parecendo cemitérios, tão abandonados e tristes pelas brincadeiras e o fogo que não puderam arder.

Com nossas megalomanias alteramos as rotas alterosas das aves que se tornaram desviantes. E apesar destas – tendo os pombos como exemplo maior – insistirem em ocupar a pólis ociosa, nossas cidades viraram mesmo foram ninhos de motos, de carros e de aviões. Não, nem tente pousar ali seus humanos apetrechos, nelas há sempre uma placa proibindo sonhos e ternuras.

Nós, que fomos criados sob o estigma da infância inacabável, com a ilusão de que tudo à nossa volta seria agradável, terno, acessível e belo. Acabamos diante da rudeza, do estranhamento e da feiúra das cidades. Mas como aquela flor que insiste em brotar entre a rachadura do asfalto e do concreto, teimamos em nos agarrar ao sonho e a esperança – essas asinhas que um deus brincalhão e gozador nos presenteou – mesmo sabendo que o redemoinho do furacão de poeira e escombros está apenas começando, macondianamente.

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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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