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Quando Freud desenvolveu e apresentou a teoria da sexualidade infantil muitos julgaram-no como pervertido, pois entendiam que a sexualidade era reduzida apenas ao sexo no sentido biológico do termo. Mas sexualidade é muito mais que isso. É a energia psíquica que nos motiva a levantar da cama, a encontrar um amor, a criar algo, sentir, pensar, cuidar, investir nossa atenção e desejo em direção ao movimento e manutenção da vida, mesmo sabendo que existem muitas pedras e muros enormes pelo caminho.

Lacan certa vez discorreu que o desejo fundamental do ser humano é ser desejado pelo outro. Necessitamos desse olhar desejante, mas não é um olhar qualquer, é um investimento afetivo por parte do outro em relação a nós. Nietzsche, antes de Lacan, escreveu que “acabamos por amar nosso próprio desejo, em lugar do objeto desejado”, isto é, o que eu mais amo em nossa relação é o desejo de você me desejar, admirar e perceber o meu valor. Temos que admitir que, desde o nosso nascimento, somos indivíduos carentes por excelência, mesmo que em graus diferentes. Necessitamos ser desejados por um outro que não nós mesmos.

Em qualquer tipo de relacionamento quando esse investimento pelo outro acaba é porque a admiração chegou ao fim, mesmo que os corpos continuem vivendo perto ou até na mesma casa.

Todos nós conseguimos perceber esse fim, pois em algum momento da nossa história já perdemos a admiração por alguém na vida. Quando fomos traídos ou desassistidos, quando faltou olhar, honestidade, cuidado ou companheirismo e sobrou violência (física ou psíquica), egoísmo e principalmente indiferença.

O problema da perda da admiração é que essa é muito difícil de recuperar, mesmo quando você se arrepende da pessoa que era ou do que fez de prejudicial a alguém. Mesmo quando nos tornamos uma versão mil vezes melhor do que já fomos, temos a impressão de que todos ao nosso redor percebem nossas qualidades ou pelo menos algo bom dentro da gente, menos a pessoa que queríamos que nos desejasse naquele momento. É complicado, eu sei, mas algumas questões na vida se não acontecerem em um determinado tempo afetivo específico, elas podem azedar, perder a cor ou apodrecer. É claro que isso não determina que nenhum outro Homo Sapiens nunca mais nos admirará, mas pode indicar que talvez aquele(a) a qual magoamos profundamente não conseguirá mais nutrir um desejo libidinal/afetivo por nós.

Essa “desnutrição” pode significar um efeito pior que o sentimento de raiva, pois neste ainda há afeto mesmo que aparentemente destrutivo. O que nasce é a indiferença que, como disse Freud, é o oposto do amor. Quando estou indiferente eu não ligo para o que você faz ou deixa de fazer, nem para seus planos futuros, pois tudo em você perdeu a graça para mim.

Mas por que é tão difícil recuperar a admiração de alguém? Porque, geralmente, ela não se perde de repente ou em apenas um acontecimento isolado. Ela vem de um tempo grande de angústia, decepção e sofrimento. E com o tempo as esperanças vão morrendo porque a pessoa sente que nada mudou positivamente em sua relação e se vê como um cachorro correndo atrás do próprio rabo, isto é, corre e cansa, mas não sai do lugar. E é essa inércia que se faz oposta à sexualidade como energia que movimenta a gente, nos fazendo crescer como pessoa, e nos sentindo ativos e produtivos.

Aprendi com a vida que ela acontece no cotidiano. É claro que existem os dias diferentes que nos presenteiam com novidades que ajudam a potencializar nossa forma de viver, mas esses dias são mais exceções do que regras. Então, admirar alguém e que o desejo dela seja recíproco se faz necessário para pensar e agir nessa construção diária das relações vividas.

O que acho mais interessante é que as pequenas coisas que parecem passar desapercebidas por nós (por se tornarem automáticas) são as que mais alimentam o desejo do outro pela nossa vida. Um ato de respeito, uma ligação, um beijo de boa noite, uma visita para ouvir um amigo que está passando por um momento difícil, suportar e ser suporte para nossas esquisitices, dar um abraço ou um remédio, comprar uma lembrança simples para a pessoa amada, sabendo que aquele presente barato foi pensado exclusivamente nela, pois você investiu tempo e atenção em conhecer o que ela gosta, são exemplos dessas pequenas coisas que transformam o cotidiano das relações.

Talvez você se assuste que dessas pequenas práticas nasça um eros desconhecido dentro de você e aos poucos adquira a energia necessária para viver o dia a dia de forma mais interessante. Em alguns casos, ressurge ou surge a relação sexual propriamente, dessas que você dorme e acorda alegre no outro dia.

Algumas pessoas são “broxantes” existencialmente pela arrogância, desrespeito e egoísmo ao lidar com qualquer tipo de gente. Não perceberam que a sedução pode não vir apenas do seu corpo e de suas curvas, mas de um investimento afetivo muito mais profundo. É por isso que às vezes olhamos e julgamos um casal que, pelo nosso modo de pensar, um dos dois aparenta ser “muita areia para o caminhãozinho” do outro. Brincamos dizendo que é feitiço, cegueira, etc. Mas no final das contas, poder ser simplesmente afeto, energia, desejo e trabalho diário. Uma atitude que muitos não se propõem a fazer, mas inveja quem decidiu se arriscar para viver em prol de um ou vários outros alguéns. Esses corajosos descobrem um segredo silencioso: Fazendo tudo isso, acabaram investindo neles mesmos.

Obs:  O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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