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Não é no momento da produção mas, depois, ao ler o texto, impresso, sobretudo, que a gente se depara com os escorregos, aqui e ali, um só, às vezes, mais de um, e, lá bem longe, com o riso irônico, dona perfeição – no minúsculo, dolosamente de propósito, no despeito que demonstro minha irritação – vai passando, como a fêmea perseguida e arredia, que não consigo domá-la e conquistá-la, fracasso que ocorreu ontem, se estendendo por hoje, na certeza de que amanhã, a mesma cena se repetirá, para meu desconsolo. E, aí, me sinto como o peru todo eriçado, asas levantadas, cauda apontando para o céu, na exibição das belas cores das penas, a soltar seus juízos de importância, e, de repente, ao olhar os pés, a decepção, o que enseja o recolhimento das asas e a retirada silenciosa do lugar para outro. Decepção na sua acepção mais profunda e desconsoladora.
O que irrita não é o escorrego, próprio da pedra que rola e do homem que caminha, mas da miopia ou da cegueira de não ter visto a casca de banana nas leituras que se fazia de tão visível que se aparecia, a descoberta tardia a se infiltrar na consciência para exigir mais atenção, se acorda, meu bom rapaz, que não se dirige de olho fechado, nem se escreve sem olhar o texto, essa mania incorrigível de só se deparar com os senões quando o texto está impresso, como se fosse possível curar a doença depois da morte do seu portador, quem nunca viu receita para defunto, a não ser do bom enterro, acompanhado de eficientes rezas, de muito choro, porque a nota mais emocionante de velório se concentra nas lágrimas derramadas a servir de colírio para os olhos.
O circo desaba quando o texto sai da esfera do computador para o conhecimento do público. Não todo dia, nem toda hora. Mas, de quando em quando, espelhado na repetição de alguma palavra, na assertiva essencialmente pleonástica de, nos votos, constatar certas barbaridades, que, ao tempo em que dói na consciência, também provoca risos que não consigo reprimir, o que senti, não faz muito, quando, em determinado recurso, sapequei uma jóia sem igual – a prestação de contas não foi prestada -, e, eu, apressadamente, como se estivesse de paletó e gravata, usando pijama em lugar de calça, me corrigi e corrigi o texto, de um lado, a me encher de reprimendas, de outro, a zombar de mim mesmo, como a dizer que, no fundo, estava transformando um voto numa anedota, dessas dignas de qualquer antologia do ramo, mas, ali, na função jurisdicional, totalmente inadequada, não fosse fruto de uma escorregada, ah, essa escorregada que dona perfeição poderia evitar se minha amiga fosse e se, como bom anjo da guarda, estivesse ao meu lado quando vou dedilhar no computador um voto ou um artigo de jornal.
Comparo dona perfeição a menina mui bonita que, no meio pequeno em que vive e cresce, na certeza de estar a anos luz das colegas, se porta como uma deusa inacessível e distante, que dá bolas, se mostra, se põe ao alcance, para depois fugir de qualquer contato e doce cantada, até mesmo do mais leve beijo, igualzinho a dona perfeição, que, desde que escrevo que tento contato, e, mais que isso, intimidade, e, ela nem está aí, nem chegando, impassível, sem me ajudar quando estou a produzir alguma coisa.
Fica, então, o aviso, tipo justificativa, para os que se deparam com meus escorregos e barbeirolas, relevarem e corrigirem na leitura, porque tudo por culpa de dona perfeição, que não quer o mais leve contato comigo, mantendo-se sempre a boa distância. Encontro assim o culpado, dando a desculpa/justificação por superada. (9 de novembro de 2016)
Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.