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(Retalhos do quotidiano)

Se somos corpo, necessariamente somos coisa, elemento da Natureza. Não estamos fora ou frente ao mundo, antes, estamos no mundo e em meio a todas as coisas, a ocupar apenas um dos cantos a cada qual destinado. Em nós, porém, o mundo material toma consciência de si, dele somos “reflexo” (o mundo se reflete em nós) e “reflexão” (nós nos voltamos sobre o mundo). Em nós, mobilizado pelo desejo, pode fazer-se projeto para si mesmo e recriar-se no espaço e no tempo, tornar-se “história”. E, além de projeto, pode tornar-se amor, mediante o diálogo.

Esse processo se faz necessariamente mediante relações com a Natureza e com as demais pessoas. Modificamos as coisas e as coisas nos modificam. Influenciamos as pessoas e as pessoas nos influenciam. O mundo, aparentemente “exterior”, das pessoas e das coisas, chega a “inabitar” em nós. Imprimimos na Natureza as marcas de nossa inteligência, da vontade e de nossas energias físicas, incluímo-lo no projeto de recriação de nosso ser, de certa maneira, “humanizamos” a Natureza. Ao mesmo tempo, porém, as condições materiais são marco, matéria prima e instrumento, para a realização de nossos projetos. Pois não somos ilimitados(as) e onipotentes em nosso poder recriador, temos de levar em conta seriamente “o princípio da realidade”. Nossas capacidades só se desbloqueiam no limite das possibilidades naturais, sociais e políticas: ambiente geográfico, grupo social, e circunstâncias de tempo e lugar são matéria prima e o “contexto” de realização de nosso ser. E ainda dependemos da eficácia e do uso correto de instrumentos a nossa disposição.

Em todo esse processo, no entanto, é preciso ter claro que nosso corpo se move pelo “princípio do prazer”. Somos eminentemente “éros”, busca de satisfação e de bem-estar. O que desejamos, acima de tudo, é ser felizes. Até quando nos sacrificamos, o que nos move é a busca do prazer. Nosso ser é eminentemente erótico. O sofrimento é doído justamente porque nos traz à memória o prazer pelo qual suspiramos.

Quando produzimos, pelo trabalho, o que nos parece necessário ou apenas útil (Economia), o fazemos porque isso nos dá prazer. Produzimos alimento e abrigo (veste e casa), para nos sentir bem, porque nos dá prazer.  Recriamos nosso ser e nosso “habitat”, inspirados(as) pela beleza (Estética), por prazer. Falamos mesmo de “prazer estético”, que vai muito além da necessidade ou da utilidade… Também e, particularmente, a beleza é campo do erotismo. Em suma, todas as nossas relações com a Natureza e com as pessoas buscam ser relações de prazer, mesmo que seja mediante a pena ou o sofrimento (o peso do trabalho, por exemplo) ou o sacrifício. E chegamos a sofrer com intensidade justamente por sentir não ter prazer de viver. A confirmação disto são as formas doentias de prazer, como no masoquismo e no sadismo.

As relações de prazer não se limitam ao âmbito da sexualidade ou mesmo da afetividade. Não, o prazer é dimensão difusa em todas as vivências e manifestações de nosso corpo enquanto corpo “humano”. Por isso, precisamos de reavaliar nossos hábitos culturais, nossa mentalidade e nossos comportamentos. Frequentemente temos medo de “cair” no prazer e nos reprimimos naquela dimensão mais profunda que são nossos sentimentos e os desejos de nosso corpo, que, na verdade, somos nós. Daí, com frequência, deixamo-nos perseguir por sentimentos de culpa e, facilmente, ligamos o conceito de “erotismo” a exercício desregrado da afetividade e do sexo, e atamos nossos corpos com as cadeias da repressão. Quantas vezes, não reprimimos nossos desejos, proibimo-nos o prazer, como se erotismo fosse necessariamente promiscuidade e pecado! A solução para nossas inseguranças e inibições afetivas e eróticas não deve ser negar-nos o prazer, mas vivenciá-lo sob o critério do amor. O que nos desumaniza não é o prazer, mas o prazer sem amor. Nosso corpo se salva quando “repousa” e, profunda e intensamente, se sente movido por “erotismo amoroso”. Para isto é que temos de amadurecer como pessoas livres, amorosas e reciprocamente servidoras; conforme a máxima paulina, na Primeira Carta aos Coríntios, “tudo é permitido, só que nem tudo convém”. E o critério da conveniência são as outras pessoas diante, ou melhor, dentro de nós. É suficiente ler escritos bíblicos, como o Cantar dos Catares, os relatos da Criação no início de Gênesis, diversos poemas presentes nos escritos proféticos e entre os Salmos e as “novelas” de resistência…

(Anos setenta, porém sem data)

Obs: O Autor é Bispo Emérito da Diocese Anglicana do Recife
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB….

Imagem  enviada  pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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