Padre Beto 15 de maio de 2017

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Thomas é um sujeito simpático, boa pessoa que possui uma mãe coruja, mora em um apartamento só para ele e tem uma namorada fora do comum. Só existe um problema na vida de Thomas: somente o apartamento e a mãe são reais, a namorada e o relacionamento que Thomas tem com o resto do planeta são virtuais. Thomas sofre, ou pensa sofrer, de agorafobia, ou seja, ele tem pavor de lugares públicos. Entediado por sua vidinha sem graça e inscrito por seu analista numa agência de namoros virtuais, Thomas é forçado a conhecer (sempre pela internet) várias moças de “carne e osso”, o que garante vários momentos hilariantes, mas mostra, ao mesmo tempo, a pobreza de uma vida sem contatos pessoais. “Apaixonado Thomas”, de Pierre Paul Renders, não é somente um filme sobre alguém que é prisioneiro de sua própria mente, mas também sobre o nosso mundo moderno que nos cria o medo de nos atirar na aventura da vida. Uma aventura que pode nos trazer sim dores e frustrações, mas também o prazer e a satisfação nas relações humanas e no realizar algo concreto em nossa sociedade.

A questão básica do Cristianismo está na palavra “salvação”. Nesta encontramos dois significados. O primeiro será celebrado com a festa da Páscoa. A salvação nos foi revelada através da morte de Jesus Cristo. A sua grande mensagem ao mundo é que a morte não significa a extinção do ser humano, mas sim a sua completude. O fenômeno que chamamos infelizmente de morte é uma passagem para uma dimensão superior. Através da morte ressuscitamos, ou seja, atingimos a plenitude da vida. Nessa nova dimensão não há os limites de tempo ou espaço e o ser humano está completo, não vivendo mais na angústia da busca de realização e no dualismo de nossa existência: tristeza, alegria, prazer, sofrimento. Aliás, se incorporássemos realmente a verdade do Evangelho de Jesus Cristo não deveríamos dizer que “fulano morreu”, mas sim que “fulano ressuscitou” e deveríamos, apesar da dor da partida, ficar felizes por sua passagem para um plano superior. A salvação é, em seu primeiro significado, um presente de Deus dado a todo ser humano irrestritamente. Afinal, Deus nos ama a todos como filhos.

Porém, existe um segundo significado para a palavra “salvação” e este talvez seja mais importante para nós agora, neste momento. Aqui a salvação deve ser entendida não como algo que cai do céu, algo que vem de fora para dentro, mas algo que sai de nosso interior e se expande para o nosso ambiente. A salvação aqui não se encontra em nosso futuro, mas deve ser vivida em nosso presente. Esta salvação não foi revelada pela morte de Cristo, mas através de sua vida. Podemos compreender esta salvação como um estilo de vida e sua realização está, em primeiro lugar, em nossas mãos. Deus depositou no centro de cada um de nós uma pequena “semente de mostarda”, uma força interior ilimitada que nos impulsiona para o bem. Ser salvo significa diariamente desenvolver esta “semente de mostarda”. No Evangelho de João encontramos a dualidade entre luz e trevas. Quem é salvo vive na luz, mas quem é condenado vive nas trevas.  Viver nas trevas é viver uma vida dupla, vestir máscaras, representar simplesmente um papel social, não fazer a diferença, conduzir uma vida como a grande maioria, cair na mesmice e na mediocridade. Quem vive nas trevas está condenado a perder o sentido de sua passagem por aqui e, ainda pior, está condenado a destruir o universo a sua volta. Quem vive nas trevas perde a grande chance de contribuir para sua realização pessoal e para a melhoria deste mundo. Mas quem é salvo vive na luz, porque é transparente, puro, não age com artimanhas e muito menos veste máscaras, procura ser feliz e tornar seu universo sempre melhor. Este não tem medo da luz, porque caminha na verdade. Este vive salvo, porque sua passagem por aqui faz sentido e lhe dá satisfação. Enquanto o primeiro significado de salvação não deve ser nossa preocupação, pois é um presente de Deus como o foi o dom da vida, o seu segundo significado é uma escolha do próprio ser humano. Para Nietzsche, não nos importa a vida eterna, mas sim a eterna vivacidade. Ele está certo e possui aqui um pensamento extremamente cristão. A “eterna vivacidade” é a escolha diária de ser salvo, ou seja, de realmente viver e não ser simplesmente um condenado a nascer, sobreviver e morrer. O importante é compreender que ser salvo não depende de fazer parte de uma determinada religião. Não é a minha profissão de fé que determina a salvação, mas sim o que eu realmente estou vivendo. A ressurreição é um presente de Deus e a salvação na vida depende daquilo que eu faço, daquilo que eu sou, do que estou construindo em minha história. O Cristo fala, com muita clareza, que nem todo aquele que diz “senhor, senhor” entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de Deus. Este “Reino dos Céus” não está na pós-morte, mas no aqui e agora. Em outras palavras, nem todo aquele que frequenta a missa ou o culto vive realmente como salvo, mas aquele que conduz uma história de fraternidade, bem-querer, de partilha e de transformação da sociedade em um espaço de vida e felicidade para todos.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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