Dizia o escritor Alceu Amoroso Lima : “o passado não é tanto o que passou, mas o que ficou”.
Aplicando esta sentença ao Concílio Vaticano II, diminui a inquietação de saber se ele ainda é do presente, ou se já pertence ao passado. Pois o que de fato importa dos acontecimentos é o que deles ficou.
Poderíamos ir elencando tantas heranças positivas deste grande Concílio, realizado há 50 anos atrás. Basta conferir como era a situação da Igreja antes do Concílio, para perceber como ele proporcionou mudanças muito significativas, e que ainda permanecem.
Um fato pitoresco, mas que não deixa de sinalizar as profundas mudanças efetivadas pelo Concílio, era a maneira como os bispos reunidos em Concílio celebravam a Eucaristia. Não havia ainda a “concelebração”, que possibilita todos participarem da mesma Eucaristia. Cada um celebrava a sua missa. E cada um precisava garantir ao menos um sacristão, que servisse de “ajudante” da missa. A solução era simples: quem celebrasse primeiro, servia depois de sacristão para o outro. No sub-solo da grande casa de encontros onde os bispos brasileiros estavam hospedados, havia dezenas de pequenos altares, onde em cada madrugada começava o revezamento das missas, onde todos se sentiam “celebrantes e ajudantes”, mas não “concelebrantes”!
Fato semelhante acontecia diariamente, no início dos trabalhos conciliares. A sessão sempre iniciava com a missa, celebrada por um dos bispos. Portanto, não”concelebrada” por todos. Os bispos “assistiam” à missa que um deles celebrava!
Isto acabou sendo um fator positivo, para os bispos se darem conta de quantas coisas da liturgia precisavam ser renovadas.
Na semana passada tive a oportunidade de dialogar com diversas turmas de agentes de pastoral, em São Luís do Maranhão, e em Belém do Pará. Foi surpreendente o interesse demonstrado pelo Concílio, na medida em que se recuperava a memória dos fatos que compuseram o cenário de sua realização. A mostrar como o Concílio ainda tem uma mensagem muito atual e positiva a transmitir, para animar a caminhada de renovação eclesial, que o Concílio impulsionou, e que agora devemos levar adiante.
Por outro lado, é fácil também constatar que depois de 50 anos, o Concílio é visto por muitas pessoas como um fato passado, sem nenhum nexo com a realidade de hoje. Por falta de informação, por esquecimento, ou por desinteresse, se passa ao largo deste que foi com certeza o maior acontecimento da Igreja no século vinte.
Em todo o caso, me parece que está dado o desafio. No dia 11 de outubro vão se completar 50 anos da abertura oficial do Concílio. Como ele durou quatro anos, teremos pela frente também agora, quatro anos para “revisitar o concílio”.
O que importa não é tanto relembrar episódios que já pertencem ao passado. Mas reencontrar heranças positivas deixadas pelo Concílio, junto com novos desafios, que podem nos estimular a prosseguir na grande tarefa de renovação eclesial, proposta por este grande Concílio.
Permanece atual a avaliação feita por João Paulo II, por ocasião da passagem do milênio: “Sinto ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa”. (15.03.12)
Obs: O autor é Bispo Emérito de Jales.