rejane ideologia 1

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Pertenço a uma espécie em extinção. A um tempo em que jovens abraçavam utopias e sonhavam em mudar o mundo. O discernimento brotava na idade certa, tanto que, ao final do segundo ciclo, uns optavam pelo curso científico, outros pelo clássico.”

Trecho inicial do artigo “Memórias de um dinossauro”, de frei Betto, publicado no jornal Estado de São Paulo, no dia 28/08/98.

Lendo este artigo, comecei a me sentir, eu mesma, parte integrante desta espécie em extinção.

Seria apenas mero romantismo, querer que a juventude de hoje tivesse a garra e a ousadia dos jovens das décadas de sessenta e setenta, quando muitos deram a própria vida por seus ideais ? Ou quando o sonho de consumo era de uma calça velha, azul e desbotada?

Não há mais repressão a combater, os pais hoje são na grande maioria liberais, o sexo já não é mais tabu … não sobrou nada pelo que lutar ….

Não sobrou? E a injustiça social que assola o país? A fome, a falta de instrução, a ausência de um sistema de saúde decente, a falta de emprego, a falta de terras para os pequenos agricultores … isso é problema de quem? Podemos até dizer que isso é problema do governo. Mas é problema nosso, cobrar do governo, uma solução para tudo isso.

Nas décadas de 60 e 70, lutava-se pela liberação sexual, pelo divórcio, pelo feminismo, pelo direito de pensar diferente do governo, pela democracia, pelo direito de voltar a eleger prefeitos, governadores, presidente.

As eleições aconteceram e o que vimos? O marasmo das campanhas e maior ainda, dos eleitores.

Ao contrário do que acontecia até há alguns anos atrás, em nenhum nível, houve entusiasmo por parte da população.

E os jovens, essa galera descontraída e alegre, onde anda, nesse final de milênio? Quando interrogados sobre eleições, responderam que não estavam nem aí. Até parece que estamos vivendo na “Terra do Nunca”, o mundo de Peter Pan, onde as crianças nunca crescem. Só que nessa terra real em que vivemos, as crianças crescem, se tornam adultas e vão assumir a condução deste mundo, que para elas, parece tão distante.

Hoje, os jovens se preocupam muito com os “trombadinhas”, porque eles estão lhes roubando os preciosos tênis de “grife”. Outra grande preocupação é a malhação, o filme que está passando, o novo CD que está rolando, o lugar da moda para frequentar.

Antes, estar por fora era ser alienado, despolitizado. Hoje, estar por fora é não usar grifes, ser virgem, não ter provado nenhum barato químico, não frequentar os lugares quentes, não “surfar” na Internet.

E onde está aquela juventude arrebatadora, cheia de garra e de determinação, engajada em grupos de jovens católicos, que mudou a história do país? Está criando seus filhos e não está conseguindo passar para eles, a importância de tudo aquilo pelo qual lutou e conseguiu construir.

Os jovens de 60 e 70, são os quarentões e cinquentões de hoje, que ainda se emocionam quando ouvem “Apesar de você” ou “Pra não dizer que não falei de flores”, mas que não conseguem fazer seus filhos se sensibilizarem com um índio queimado num banco de rua em Brasília ,com a jovem mãe que tem seu filho a céu aberto, porque não há lugar nas maternidades públicas, com o pai de família desempregado, que é preso por roubar alguns pães ou com a mãe de rosto cortado pelo sol, que anda quilômetros com uma lata na cabeça, para pegar uma água barrenta e infectada, para saciar a sede de seus filhos.

Por enquanto, ainda não estamos precisando de Spielberg para ressuscitar os dinossauros, porque, apesar de poucos, ainda não estão extintos. Embora muitos, tal como a nossa pátria, estejam adormecidos em berço esplêndido.

O que aconteceria se, de repente, uma manada de dinossauros despertasse e saísse às ruas, em busca dos sonhos perdidos? Talvez conseguisse, pelo menos, alertar seus jovens rebentos, para o fato de que o futuro chega rápido e que, em breve, eles herdarão o mundo e pode ser que não tenham a menor ideia do que fazer com ele.

O que podemos fazer por nossos filhos, para que não cheguem à idade adulta , como “O Velho”, música de Chico Buarque: “me diga agora o que é que tem de novo pra deixar? Nada só a caminhada longa, pra nenhum lugar”. E o que podemos fazer por nós mesmos, para não esquecermos das páginas que escrevemos em nossos livros e para que as próximas, não fiquem em branco?

Precisamos reservar em nossas agendas, um tempinho para pensar sobre isso: Está faltando alguma coisa em nossas vidas. E está faltando ainda mais, na de nossos filhos.

Precisamos criar coragem de revirar o nosso baú de sentimentos e reinventar a nossa própria vida.

Precisamos reencontrar a nossa própria FÉ.

E que bom seria se, redescobrindo Cazuza, os nossos jovens cantassem bem do fundo da alma: “IDEOLOGIA, EU QUERO UMA PRA VIVER” e, sem medo de se comprometer e sem medo de ser feliz, abrissem os olhos e o coração para a vida, e, agarrando-a com muita força, se sentissem orgulhos

OBS: Esse artigo foi publicado no Jornal do Commercio em 14 de abril de 1999, antes da eleição dos governos do PT em Recife e no Brasil, onde as campanhas foram muito participativas e animadas.

Impressionante é, depois de dezesseis anos, depois de todas as transformações econômicas e sociais que o Brasil passou entre os anos 2000 e 2015, esse artigo voltar a ser, lamentavelmente, atual. Muito triste a gente constatar o retrocesso em tão pouco tempo, ao qual o Brasil está sendo submetido.

Desolador é ver que a juventude continua despreocupada com o seu futuro, brigando pelas bandeiras equivocadas, se preocupando com as coisas que passam e não contribuem em nada para melhorar a sua vida.

Dom Helder dizia que “O segredo da perene juventude de alma é ter uma causa a que dedicar a vida”. Portanto para ser sempre jovem não precisa de muito. Basta querer e ter UMA IDEOLOGIA PARA VIVER.

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Obs: A autora é  jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação.
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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