denis brasil e o sentimento

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Hoje em dia, é comum fazer aniversário de criança em buffet. Claro, para quem tem dinheiro e pretende aproveitar seu tempo na festa não apenas como anfitrião, mas também como convidado, pois receberá a atenção desejada e poderá aproveitar melhor a companhia dos amigos e familiares.

No entanto, há que se seguir algumas regras para pertencer a este espaço de diversão onde você paga para ter algum conforto e não precisa se preocupar com os preparativos. A começar pelo convite, onde não só consta a informação do horário em que a festa começará, mas também indica a hora do término, delimitando o prazer de todos ali presentes. Ninguém põe a mão na massa em relação ao preparo da comida, decoração ou servir os convidados. Está tudo pronto e geralmente muito gostoso. Para entrar no buffet e em seu mundo, é necessário ter seu nome em uma lista e depois de entrar, o presente do aniversariante é entregue a um estranho que o guarda em uma caixa grande.

Existem jogos eletrônicos e entretenimento a todo o momento e para todas as idades. É um mini Hopi Hari. Depois de um tempo de festa vem o susto: pessoas que você nunca viu na vida tentando incentivar (com gritos) todo mundo a cantar parabéns para uma criança que eles também nunca viram na vida. Geralmente a criança chora com todo o barulho, muitas fotos saem “feias” e os pais, se sentindo culpados, justificam: “Ela assustou, não está acostumada com tanta gente junta”. Mesmo sendo divertido, ela não se sente parte daquele lugar.

Quando eu era pequeno não existiam muitos bufetts na região. Para organizar qualquer aniversário da família, todos os membros se reuniam em alguma casa para ajudar nos preparativos da festa. Ninguém ficava de fora: o aniversariante, tios avós, pais, primos, “tudo junto e misturado”. As crianças, sob supervisão dos adultos nas tarefas de enrolar doces, encher bexigas e ajudar na decoração, se sentiam parte da festa e da sua construção histórica. Inclusive, no dia do aniversário, ajudávamos a servir algumas coisas que nós mesmos ajudamos a fazer.

Acho que cada um a sua maneira e limitação da idade conseguia entender que o outro e seus desejos também existiam e que era preciso ajudar mesmo quando a festa não era para si próprio. É claro que nem tudo é perfeito. Algumas vezes percebiam-se olhares de inveja, principalmente ao ver o sortudo da festa recebendo tantos presentes. Mas é uma realidade que aos poucos temos que ensinar às crianças, que nem todas as festas e presentes são para elas.

A diferença entre as duas realidades expostas acima nada tem a ver com um suposto saudosismo meu, mas sim com a ideia e o sentimento de pertencimento que nossa alma necessita, e creio que o fenômeno de não pertencimento afeta muito o Brasil.

Como uma festa em um buffet, onde nem o anfitrião e nem os convidados pertencem de fato àquele lugar, apenas estão ali com hora pra entrar e pra sair, sendo estimulados o tempo todo com dinheiro, promessas e sonhos, podemos refletir sobre o nosso pertencimento ao papel de cidadão que nos compete. Em algum momento você já se sentiu como se não fizesse parte do nosso país? Como se fosse um estrangeiro dentro da sua própria casa, cultura ou estado? Ainda temos grudado em nossa pele a ideia de que somos colônia de alguém. Podemos pegar um exemplo: Os trabalhadores que ganham uma miséria (a maioria), e que são a base e a força que empurram esse carro alegórico chamado Brasil, não se sentem valorizados nem pertencentes ao lugar onde nasceram. Não se sentem representados por ninguém. A maioria de nossos políticos não nos consultam sobre o impacto que determinados projetos de lei podem nos afetar diretamente.

Pouquíssimas audiências públicas são realizadas com o objetivo de debater ideias para implementar ou não determinados projetos que tocam principalmente a classe mais pobre.

Sessões plenárias que acontecem na calada da noite, corrupção, impunidade, falta de recurso para saúde, educação, habitação, etc, nos faz pensar inconscientemente que não fazemos parte da construção desse lugar. Pois se não sou ouvido ou consultado, seja em casa, no trabalho, ou em qualquer grupo social, me sinto como um barco a deriva aguardando sempre uma tempestade ou um vento pra me levar “sei lá pra onde”. Quem nunca sabe para onde vai, não pertence a lugar nenhum.

Quem não se sente pertencente no processo de construção e crescimento do país pode não ver sentido no que faz, mesmo sendo a força motriz da sua pátria que não é mais tão amada assim. O rapper Criolo disse em uma entrevista: “Nos tomaram o sol. Roubaram o sol das nossas vidas e aí inventaram um caminho pra nos usarem, pra dizer que a gente tem que correr pra ter um lugar ao sol”. Ou seja, mesmo suando sangue todos os dias, você só não venceu na vida porque, incompetentemente, pegou o caminho errado (foi na contramão do caminho inventado por eles) e a culpa é sua e não das pessoas que roubaram sua dignidade e seus direitos.

Por isso que acho interessante e sou a favor dessas reuniões com líderes e moradores de bairro, para entrar à casa das pessoas para conhecer e ouvir a demanda deles. Deixar o povo falar indo até onde as vozes estão, discutir ideias, ouvir suas contradições, opiniões e dificuldades. Resumindo, ajudar na preparação da festa de aniversário do povo.

O protesto positivo e maduro nasce do desejo digno de lutarmos para devolverem o que era pra ser nosso e pelo lugar que nos pertence. Por muitos motivos que não nos cabe julgar, vários brasileiros foram embora ou só não foram por falta de recurso. Outros decidiram ficar e lutar para pertencer. Pois, como escreveu Sêneca, “Viver significa lutar”.

Obs:  O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal.
Imagens  enviadas pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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