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(para Mia Couto)
Continente,
país,
região,
cidade,
aldeia,
lugar,
em todos eles, desde sempre,
a alma disputa lugar de ternura, Mia.
(Foste tu quem o disseste).
Numa luta ferrenha e constante
contra a comichão dos poderosos
que, mascarados seus medos,
e fingidos de força,
grassam a espalhar
o regime desse mundo,
doença da nossa história: a ordem.
Para isso, travestiram
o verbo anterior do mundo,
a paz,
porque sabedores que
o que passou,
só pode ser contado
por palavras que ainda não nasceram.
Que, quanto mais um lugar é pequenino
maior é o tamanho da obediência.
Eis-nos, labirintoados,
burros que deixaram
de cumprimentar o cavalo
porque na companhia do leão.
É verdade que estamos
bastante confusos
com o tempo e a atualidade,
carentes de entendimento
e morto-vivos de pertencimento.
Que, também,
decretaram, por aqui,
o expediente da arte
e nos tornaram butiques.
Porque o Ocidente
mesmo parecendo pedir licença,
no seu caminhar pro Oriente
faz muito barulho.
Pois, o habitar desse mundo
sempre será
a vida a Oriente
e a morte a Ocidente.
E,
afora os desentendimentos desse mundo,
entranharam em nós
essa secular mentira
de que só temos uma alma.
E esta que nos deixaram
parece sempre
uma coisa muito externa.
Nós,
que antes queríamos
ser civilizados
e agora queremos
ser modernos.
Tornamo-nos
vigilantes do agora,
imediatistas do beiço,
quando éramos
fiscais do imensurável,
porque focados no horizonte.
Que toda distância desse mundo
tem lugar no coração,
porque a gente viaja
mais em lembranças
do que em quilômetros.
E este mundo
que nos deixaram
parece ter mais dentes
do que bocas,
porque sem amor
pelos vivos
e sem respeito
pelos mortos.
Mesmo lembrando-nos
que grandezas, miudezas e infinitos
sangram no olhar de cada um.
Porque eles também sabem
não importar o tamanho da esmola,
o mendigo sempre sairá
de mãos vazias.
Botaram-nos a pisar
por caminhos mentirosos,
esquecendo eles
que a verdade tem pernas compridas.
Que ainda temos a voz,
esse vazadouro de sentimentos,
que quando cala, mata,
e quando grita, salva.
Que cada coisa
tem o direito
de ser palavra,
mas cada palavra
também tem o direito
de não ser coisa nenhuma.
Sabemos
(e por enquanto é isso)
mas nunca nos atinamos,
que para eliminar o patrão
é necessário antes
matar o escravo que vive em nós.
Nada é nosso
nesses dias líquidos,
e o que não podemos segurar
certamente um dia escorrerá.
Resta-nos,
nesses tempos de sobrevivências,
uns que não vivem
por temer morrer,
e outros que,
por temer viver,
não morrem.
Há tanto,
desmedimos
coisas que humanos fazem,
das coisas que homens fazem,
porque nos inculcaram
a alegria vã do grilo,
e tornamo-nos alérgicos ao silêncio.
Porque sabem também
que só se escuta
os escuros presságios
no clarear do silêncio.
E apesar desse vigente
regime de existirmos,
esqueceram também
que a terra é ser,
sempre carente
desse tear de entrexistências,
chamado ternura.
E que, no fundo,
somos todos continentes.
Ilhas são eles,
que estão sempre a esperar
um náufrago
que lhes dê sentido.
Obs: Imagem enviada pelo autor.