Maria-Clara21

(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio)
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De Roma em um fórum de migrações, tive a grata experiência de cumprimentar o Papa Francisco pessoalmente.  Recebeu os 300 participantes do VI Fórum de Migrações e Paz, organizado pelos padres scalabrinianos.  Chegou sorridente e ouviu depoimentos de migrantes de várias partes do mundo.  Depois fez um belo discurso.       Cumprimentou cada um de nós pessoalmente. A cada um pelo menos um olhar, quando não um sorriso e algumas palavras.

A problemática das migrações e das pessoas em situação de vulnerabilidade devido à sua mobilidade se avoluma.  Sobretudo na Europa e nos Estados Unidos.  No entanto, o Fórum mostra como por toda parte essa situação começa a acontecer ainda que com contornos diferentes.

Mesmo no Brasil, onde achamos que não se trata de problema nosso, o cardeal Cláudio Humes apontou a chaga que temos com os indígenas. Na Amazônia, pela qual é responsável, enquanto ainda há muitas tribos que não têm contato com o chamado – ironicamente – mundo civilizado, há muitíssimos mais que vivem em mobilidade pelas cidades.  Ali vagam sem trabalho, sem amparo, em estado de vulnerabilidade total. Despojados pela colonização – antiga e nova – da identidade, da língua, da cultura, da religião, agora esses indígenas se movem sem rumo e sem um meio de vida.

No Chile, que recebe muitos peruanos, bolivianos entre outros, foi comovente o depoimento da coordenadora da Casa do Migrante de Santiago.  Peruana, chegou a Santiago e foi trabalhar como empregada doméstica.  Nos fins de semana, os patrões não permitiam que dormisse na casa.  Sem ter para onde ir, passava as noites no metrô ou nas guaritas da polícia civil, ou nas ruas Ali, nas frias noites de Santiago, convivendo com outros em igual situação, teve a inspiração de fazer algo para ajudá-las. O encontro com os scalabrinianos fez o resto e, hoje, a Casa do Migrante é um ponto de refúgio e amparo para tantos que, como ela, um dia chegaram à capital chilena em busca de uma vida melhor.

Os casos são muitos e a situação complexa.  Por isso, o Papa propõe um itinerário feito de etapas possíveis e paradigmáticas que ajudem a ir marcando o caminho.  Tal como com os movimentos populares latino-americanos falou nos três T: teto, terra e trabalho, agora com relação aos migrantes propôs quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar.

Acolher: trata-se de não rejeitar o outro por considerá-lo uma ameaça, um inimigo. Há que ultrapassar a indiferença e o medo com uma aproximação generosa de acolhida àquele que bate a nossa porta. E isso começa por oferecer abrigos dignos e decentes.  É a saída para humanizar e favorecer encontros pessoais garantindo a eles uma relação humanizada e humanizadora.

Proteger: a experiência migratória é constitutivamente vulnerabilizante.  Quem está em movimento, fora de todo o seu habitat natural e suas referências, está muito mais exposto à exploração, abuso e violência.  Isso é verdade sobretudo para aqueles e aquelas em situações irregulares ou vítimas do tráfico humano.  Necessitam de proteção, que não é paternalismo, mas sim defesa de seus direitos e respeito à sua dignidade.  O Papa declara que isso é um imperativo moral, pois vivemos um verdadeiro “tráfico de carne humana”, que se aproveita do infortúnio alheio para fins espúrios. A Igreja quer estar sempre presente onde essa proteção acontecer.

Promover: Não basta proteger.  Há que promover um desenvolvimento integral dessas pessoas, a fim de que possam viver em plenitude. E para isso devem ter acesso aos bens fundamentais que garantem vida plena. Essa promoção deveria começar pelas comunidades de origem, de forma a que tenha lugar tanto o direito de migrar como o de não migrar. O primeiro desrespeito ocorre quando as pessoas são empurradas para uma aventura migratória devido às péssimas condições em que vivem.

Integrar: reconhecer o valor e a riqueza da cultura do outro, favorecer-lhe situações onde possa viver seus laços familiares.  Integrar os diferentes e os diversos reflete a catolicidade no que tem de mais nuclear: sua universalidade.  Isso não anula a diversidade cultural e ética, e faz crescer a Igreja em sua vocação primigênia.

Francisco deseja que esses quatro verbos sejam conjugados na primeira pessoa do singular e na primeira pessoa do plural. E que o fazendo os cristãos, as organizações e as pessoas de boa vontade estejam especialmente atentas aos mais vulneráveis entre todos os migrantes, exilados e refugiados: as crianças e os jovens forçados a viver longe de suas pátrias e separados de seus entes queridos.  Trata-se do futuro não apenas da Igreja, mas da humanidade.

Obs: A teóloga é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão” (Edusc) 

Copyright 2017 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato:  [email protected]  

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