Claudionor Germano
Algumas coisas não esquecemos. Ficam em nossas lembranças para o resto da vida. Definitivamente esse dia me marcou. Enfim, iria ao meu primeiro Baile de Carnaval do Clube Português do Recife. Na época, com 14 anos (pois os 15 não chegava nunca), isso era a glória. Fui com meus pais, minha irmã, duas amigas e alguns amigos dos meus pais. Estava “me achando”, vestida de cigana, com uma saia longa, cheia de colares e super ansiosa para enfim conhecer o carnaval do clube.
Algumas recomendações já nos fizeram descer do carro um pouco tontas, porém não menos ansiosas.
– Não se afastem muito da mesa.
– Não dancem com desconhecidos.
– Não tirem as sandálias, pois pode ter garrafas quebradas no chão.
– Não beba nada que lhes ofereçam.
Etc, etc, etc…. Enfim, várias recomendações inibitórias.
Mas enfim, chegamos ao salão e por alguns momentos conseguimos ficar à mesa, de repente, quem sabe, analisando “todos” os “nãos” antes do primeiro passo.
Pra quem gosta de dança, até que fiquei parada muito tempo. Aos poucos começamos a dançar por ali mesmo e ficamos mais à vontade com o momento, para mim tão inusitado.
“…Ouvi dizer que numa mulher, não se bate nem com uma flor, loura ou morena não importa a cor….” rolava salão adentro quando um belíssimo pirata pediu que lesse sua mão. Olhei pra trás, primeiro com medo do meu pai, segundo para saber se era comigo mesma que falava. Mas não havia nenhuma outra “cigana” por ali e eram dentro dos meus olhos que o pirata olhava fixamente. Acho que foi o primeiro “frio” na barriga que senti na vida. Paixão à primeira vista. O pirata era
um sonho. Como viu que fiquei completamente sem ação, chamou para dançar no salão. O “não dance com estranhos” martelava na minha cabeça e Claudionor Germano não cantaria mais baixo para que perguntasse ao meu pai se eu poderia sair com o pirata. Claro que não deixaria. Pedi que dançasse ali mesmo (na tentativa do meu pai ao menos simpatizar com ele). Assim foi. Meu pai de olho, o pirata devia tá me achando uma boboca e a orquestra cantando ” ouvi dizer, que o mundo vai se acabar, que tudo vai pra cucuia, que o sol não mais brilhará…”
– Meu Deus, antes que o mundo acabe, deixe-me mais alguns minutos com esse pirata…, pensava eu.
Alguns momentos depois o pirata começou a falar umas coisas, que com o barulho eu não conseguia escutar por que também ficava com medo de chegar muito perto dele e meu pai brigar. Um inferno. Minhas amigas e minha irmã estavam por ali e também dançavam junto à mesa. Achei que ele iria embora, mas ficou o tempo todo perto, dançando. Por essas alturas eu já sabia seu nome e conseguimos trocar idéias, apesar da orquestra estar um pouco próxima.
– Pede pra ir ao banheiro.
– Hein?
– Pede pra ir ao banheiro.
Fiz que não entendi, procurando saber o que dizer. Não iria sozinha ao banheiro e não sabia o que ele queria com isso. “cuidado com estranhos”, lembrei.
As meninas nessa hora também já estavam cansadas de ficar por ali, queriam dar umas voltas também e então conseguimos enfim, sair dizendo que íamos ao banheiro. O pirata, claro, nos acompanhou. Ficamos rodeando o clube, olhando as pessoas e finalmente consegui conversar com meu “pirata do caribe” (rs rsr s).
De repente percebemos que fazia muito tempo que tínhamos saído e resolvemos voltar quando começou uma briga no salão. Ouviu-se garrafas quebrando e algumas pessoas corriam. A orquestra parou um pouco, até que a situação ficou sob controle.
Quando chegamos minha mãe estava desesperada, sem saber por que demorávamos tanto e com medo que tivéssemos nos machucado na briga. Desde então, não saímos mais de perto deles.
Estava fascinada pelo pirata e ele por mim. Na volta para o salão tentou me beijar. Com receio de beijar “errado” e por causa das meninas, recusei. Depois disso esperei que me mandasse catar coquinhos, mas não mandou. Ficou conosco até o fim do baile, quando ao som de “Vassourinhas” o baile encerrou-se para nós.
Meus pais queriam ir embora e, na hora em que tudo parecia ficar melhor, deixávamos o salão ( e eu, meu pirata). Mas, sem protestos, me despedi, sem nem ao menos trocar telefones.
O resto do carnaval foi de saudades, da minha primeira paixão, que jamais encontraria novamente.
Primeiro baile, primeiro amor…as músicas dias e dias na minha cabeça…
A voz do intérprete que definitivamente passava sentimentos nas canções, fazendo com que as sentíssemos e não só ouvíssemos….marcaram meu coração.
Hoje, com 60 anos de carreira, esse intérprete continua embalando paixões de ciganas, piratas, pierrôs, colombinas, palhaços, hawaianas e todas as pessoas que conseguem alcançar a grandiosidade das letras tão bem interpretadas e sentidas.
Parabéns Claudionor Germano, por participar de maneira tão especial da vida desses pernambucanos que o adoram. Essa Frevioca aí é em sua homenagem (inaugurada por você junto à Orquestra Popular do Recife).
Você é “madeira de lei que cupim não rói”. (09.12.07)
Obs: A autora é poeta, administradora e editora da Revista Perto de Casa.
http://pertodecasa.rec.br/
Imagem enviada pela autora.