Maurício Cavalheiro 1 de março de 2017

mauricio a carta

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Sou do tempo das cartas manuscritas que cruzavam céus, terras e mares para transportar amor, saudade e outros sentimentos. Sou do tempo das cartas perfumadas, que vez ou outra eram assinadas com lágrimas ou batom. Tempo bom que a tecnologia substituiu por correios eletrônicos e similares, tornando o manuseio da esferográfica uma atividade preterível.
Infelizmente, vivemos a era das caixas de correio habitadas por contas de luz, água, telefone; contas disso, contas daquilo, contas por quilo. E só. Outro dia, porém, o funcionário do Correio me surpreendeu com carta que trazia meu nome escrito em letras cursivas, simetricamente alinhadas: um esmero. A remetente era “Daquela que jamais te esqueceu”. Tratei de ocultar a carta no bolso para não alvoroçar o ciúme de minha esposa. Corri para o banheiro, pretextando rebeldia intestinal. Com as mãos ansiosas, abri o envelope e li a carta perfumada, de papel fino e macio:

“Querido, Z.
O tempo tentou de tudo para te apagar da minha memória, mas não conseguiu. Jamais te esquecerei! Jamais! Será que ainda te lembras de mim? Espero que sim! ”

Interrompi a leitura e fechei os olhos na tentativa de capturar, nos porões da memória, quem poderia ser a autora daquela confissão.

“Há tempos venho tentando te localizar. Finalmente consegui. Sei que estás casado, mas isso não será empecilho para que nos encontremos. Prometo que serei discreta, pois não quero causar nenhum tipo de desconforto, nenhum tipo de constrangimento.”

Após esse trecho, meus pensamentos planejaram um encontro furtivo.

“Quero te encontrar mais uma vez e o mais breve possível. Depois, prometo que irei embora para nunca mais. ”

Eu não perderia aquela oportunidade por nada no mundo.

“Nos próximos dias irei até a tua casa, para que pagues o que me deves. Afinal, milhares de dólares jamais me deixariam te esquecer. ”

No lugar da assinatura: “De tua ex-noiva”. Ex-noiva? Era a antiga namorada que abandonei no altar, filha de bilionário sulista. A revelação me fez, de fato, sentir fortes dores de barriga e ruir sobre o vaso sanitário. Para piorar a situação, faltou papel higiênico. A solução foi me desfazer da carta.
O reencontro não aconteceu porque me mudei naquele mesmo dia. Minha esposa, que não se afinava com a vizinhança, nem questionou o motivo.
Quero pedir um favor: se alguma mulher perguntar por mim, digam que agora moro na esquina da curva do vento, perto de lugar nenhum.

Obs: Publicado no Jornal Tribuna do Norte – Pindamonhangaba – SPaulo

 O autor é membro da Academia Pindamonhagabense de Letras é autor de: Lágrimas de Amor – poesia; O sapinho jogador de futebol – infantil; O estuprador de velhinhas & outros casos – contos; Histórias de uma índia puri – infanto-juvenil; O casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte, e Um caso de amor na Parada Vovó Laurinda – cordéis.

Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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