(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio)
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Dentre todas as experiências que a maternidade me deu, certamente a que mais me proporcionou prazer foi a amamentação. Recordo-me com delícia a luta que foi amamentar minha primeira filha, que nasceu na França. Na terra de Descartes, esse dom materno não é muito apreciado. Enfermeiras e médico queriam convencer-me a desistir, já que eu não teria muito leite devido à cesariana que fora forçada a fazer.
Insisti e lutei feito uma leoa. E apesar do abcesso, da dor, da dificuldade, amamentei três meses minha filha. Aqueles momentos com ela, sentindo seu coraçãozinho bater, seu esforço de sugar e depois seu suspiro de satisfação e sono bem-aventurado me fizeram mãe de fato. Com os outros dois filhos insisti e persisti. A cada vez uma luta – sobretudo com o segundo, grande e esganado – mas um sentimento como se ali eu estivesse marcando meus filhos com um selo. Era minha marca que ficava na corporeidade deles para o resto de suas vidas.
Até hoje acho belíssimo quando vejo uma mulher dando de mamar a uma criança. Seja em privado, seja em público. É certamente um ato de profunda comunhão, de infinito amor. E parece que nisso – como em muitas outras coisas – o Papa Francisco e eu concordamos. Durante um batizado coletivo de 33 bebês na Capela Sistina, o Pontífice avisou às mães presentes que não ficassem constrangidas caso precisassem alimentar seus filhos. Ouvindo o choro de muitos deles intuiu ser isso sinal de fome e estimulou-as a não hesitar em amamentá-los, mesmo no recinto da igreja.
Toca o Papa aí em algo muito humano, delicado, profundo. Com a cultura do consumo que atinge igualmente a venda de mamadeiras, os seios femininos foram sendo vistos como destinados exclusivamente à função sexual e erótica. A amamentação, então, foi se tornando cada vez mais privada e escondida dos olhos da sociedade.
No Brasil e no mundo, a amamentação em espaços públicos já foi centro de controvérsias e discussões. Em contrapartida, há organizações e pessoas que reivindicam o respeito ao direito de a mãe dar o seio em público. A discussão atingiu as redes sociais e foram citados vários exemplos concretos, como a de uma mãe que, em um hotel de luxo em Londres, foi forçada a cobrir-se com um grande guardanapo de tecido.
É para o bem comum da humanidade que urge desfazer o equívoco de que os seios são meramente objetos eróticos e que, como tal, devem ser usados e/ou ocultados em nome da moral e dos bons costumes. É necessário devolver aos seios femininos o principal atributo que lhes cabe: amamentar, alimentar outros seres humanos e com eles desenvolver a mais profunda e bela relação de amor que talvez terão em toda a sua vida. O Papa Francisco, conhecido por apoiar tudo que dignifica o ser humano exatamente em sua humanidade, tem sido um destemido ativista e defensor desta causa.
O Pontífice faz declarações públicas em favor da amamentação desde o início de seu pontificado. Já em 2013, em entrevista ao jornal italiano La Stampa, afirmou que as mães não deveriam envergonhar-se de amamentar seus filhos. Associou o tema ao desperdício de comida que existe no mundo, que por sua vez, empurra para a frente a roda do consumo, potencializando a indústria de mamadeiras, bicos e etc. Quando recentemente, na Capela Sistina, estimulou as mães a aleitar os filhos, acrescentou: “Eles são as pessoas mais importantes aqui.”
Com essa orientação, saiu do texto de sua homilia, dirigindo-se diretamente às mães presentes. Ao mesmo tempo, recordou as mães pobres do mundo, “muitas das quais, infelizmente, não conseguem alimentar suas crianças”.
Ao valorizar algo tão importante, o Papa está, na verdade, ratificando uma analogia teológica. Alimentar outros com seu próprio corpo é o gesto que Deus mesmo, em Jesus Cristo, escolheu para fazer-se presente intimamente àqueles e àquelas que nele creem. Pois não professamos os católicos ser a Eucaristia a carne e o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, feito comida e bebida para nós?
Toda mulher tem constitutiva e visivelmente em seu corpo esta graça infinita de poder repetir a cada filho, a cada gestação, a cada vida que gera e dá à luz o gesto eucarístico e salvífico realizado pelo Salvador. Amamentem, pois, afortunadas mães que podem fazê-lo. Abram seus seios túrgidos para que neles os frutos de seus ventres possam ser alimentados e nutridos. Não apenas de leite, mas de amor, intimidade, comunhão. Primeiro gesto de comunhão, a amamentação é algo que sela a relação mãe e filho com a marca não apenas da saúde, da divisão equânime dos bens, mas igualmente da salvação e da santidade.
Obs: A teóloga é autora de “O mistério e o mundo” (Editora Rocco).
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