IvoneGebara

Dando continuidade à reflexão passada a respeito do seguimento de Jesus como máxima tanto para a vida dos(as) cristãos(ãs), como para a própria salvação da Igreja, conheçamos, em resumo, o pensamento da teóloga Ivone Gebara[5] sobre este assunto, escrito num artigo em homenagem ao teólogo Jon Sobrino[6].

Quem é Jesus de Nazaré?

As repostas a essa pergunta foram sempre plurais desde os primeiros seguidores de Jesus.

Para obtermos as nossas respostas, torna-se necessário partir de nós mesmos(as) e fazer-nos perguntas. Como podemos seguir a Cristo, se não ouvirmos quem somos e se não nos dispormos a modificar nossos comportamentos a partir do lugar onde estamos? Como posso segui-lo, se não descubro seu rosto estampado em meu coração através de minha história e da história de meus próximos? Acaso tenho que negar esta experiência fundamental para seguir um Cristo ensinado a partir de fora e do alto dos poderes eclesiásticos? Tenho que trair o rosto do Cristo que vive em mim? Tenho que renunciar à minha cultura, a meu contexto de vida, aos gritos de dor particulares a meu povo, gritos que ressoam em mim e em meus contemporâneos? Essas perguntas que podem parecer pura retórica, não nascem de um pensamento eclesiástico oficial que pretende ensinar a verdade universal válida em todos os lugares e em todos os tempos, mas sim da observação da vida ordinária das pessoas comuns.

Cristologias plurais respondem ao pluralismo da vida, à sua complexidade, à diversidade de situações em que o amor e a justiça acontecem no meio de nós. Como se pode ousar reduzir a criatividade do amor?

Desta forma nascem, por exemplo, as cristologias negras que buscam ouvir o clamor dos negros em nosso continente e certificar que têm no interior mesmo de sua vocação humana, para buscar os caminhos de afirmação de sua dignidade e de respeito às suas tradições culturais. Surgem assim também as cristologias feministas que sentem a dor dos corpos femininos excluídos e julgados inferiores. Dominação real na forma de dominação simbólica, econômica, social, familiar e religiosa. Não teríamos nós, mulheres, direito a uma cristologia que levasse em conta a afirmação de nossa dignidade a partir de nossas próprias dores, a partir das formas de cruz que a sociedade patriarcal nos impôs? Não seria este o caminho de ressurreição dentro dos limites da história presente?

Como não tentarmos ser mil Cristos e cada um buscando respeitar o Cristo irmão, o Cristo irmã com suas dores particulares imersas na dor humana coletiva? Muitas vezes os impérios religiosos pregam e exigem a cristologia da Torre de babel. Constroem torres e do alto supervisionam as ações e os pensamentos dos trabalhadores exigindo que falem a mesma língua, apesar de saberem que são originários de povos diferentes. Ameaçam os que falam sua própria língua com castigos diversos, visto que a diversidade de línguas pode ser ameaça à hegemonia política e religiosa dos que detêm o poder. Tornam-se intolerantes e exclusivistas afirmando a superioridade cristã como pura escolha e decisão divina. Agem como se precisassem resguardar a ortodoxia e a pureza do Cristo afastando dele os mendigos, as prostitutas, as viúvas, os estrangeiros, os camponeses, os pensadores críticos que se sentam à mesma mesa e podem comer iguarias variadas. Os detentores dos poderes político e religioso vivem na maioria das vezes de equívocos e nos ameaçam a partir deles. Levam-nos a crer que o fazem por responsabilidade eclesial, por amor a Cristo e à Verdade.

Mas qual é o seu Cristo na diversidade das cristologias? Creio que, apesar da boa vontade de alguns, afirmam a imagem que têm de Cristo a partir de categorias imperiais e dualistas que garantiram por séculos a superioridade do cristianismo em relação às outras aproximações religiosas. Esquecem, talvez, que a grandeza do cristianismo teve início na manjedoura, na acolhida de uma criança, nascida de uma mulher, na noite escura do povo explorado. Uma criança frágil, vulnerável, desarmada, dependente como todos nós. Mas nela, como em todas as crianças do mundo, nasce a esperança de um mundo melhor hoje e manhã. A criança, Jesus, em seguida, se tornou adulto e aos 30 anos, por seu compromisso com os marginalizados de seu lugar, é crucificada e morta pelos poderes políticos e religiosos. Essa morte injusta foi transformada em memória de vida e de amor que fez renascer para muitos a esperança da vida. Nada de glória imperial, nem fausto, nenhuma riqueza, nenhum controle ideológico! Mas é justamente aí que situamos a originalidade do cristianismo. Não precisamos ser como o Deus todo-poderoso, com imagem masculina, sentado em seu dourado trono celeste. Basta sermos seres humanos – mulheres e homens – e sabermos que Deus é um de nós desde o começo. Por isso, cada um e cada uma de nós somos convidados, a partir de nossas entranhas humanas, a nos aproximarmos do outro, a montarmos nossa tenda perto dele, a tornamo-nos sempre de novo o próximo, a fazer caminho em conjunto, a repartir o pão e o vinho e a dar graças à vida. Isso se chama ser Cristo.

Obs: A autora é  escritora, filósofa e teóloga.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]