Primeiro entrou o irmão, que se acomodou na poltrona da janela. Depois, a mãe, que ficou no meio. Só aí vi que Leila – esse o nome – estava ali, no colo da mãe, do colo para o pequeno espaço que se abria, e, à falta do que fazer, começou a jogar no chão as recomendações de sobrevivência, caso a aeronave pousasse no mar (arre, Deus!). Leila aparentava, no máximo, mais de um ano e menos de dois. Pouco falou, ou quase nada, no que não fazia falta, procurando espaço para sentar no chão, invadir a área do irmão, revelando respeito pela minha área. A única intimidade que se atreveu foi colocar a mão no meu joelho.
O fato, na dura realidade de a aeronave demorar a sair – quase quarenta minutos de atraso – aparentemente não perturbou Leila. Mas afetou o irmão, que perguntava a mãe quando o avião ia voar. Quando, enfim, a viagem começou, ele, coitadinho, de tanto esperar, adormeceu, não sem antes tomar uma cotovelada de Leila, ficando todo choroso, a reclamar que ela tinha lhe batido na cara, logo na cara, no que proporcionou a Leila um gesto lindo: alisar o cabelo do irmão e na cabeça sapecar dois beijos para a dor desaparecer. Desapareceu, porque o choro silenciou.
A demora na saída ensejou consequências lastimosas. Não no irmão, que dormiu antes do vôo. Leila é que, na movimentação que fazia, perdeu o sono. Quando a aeronave já estava no ar, em vão a mãe tentou fazê-la dormir, mudando de posição, balançando o pé, Leila fechava os olhos, convocando o deus do sono, mas Morfeu não deu sinal, e a viagem toda prosseguiu assim, Leila se esforçando para dormir, penalizada pela demora (os vôos deveriam ser pontuais, quando crianças estão a bordo), não indo além de fechar os olhos.
Com trinta minutos, atracamos no Aracaju. Foi aí que, quando todos se levantam ao mesmo tempo, na busca inicial da bagagem de mão, a mãe se ajeitando com Leila nos braços, na tentativa de retirar pacote, tive a iniciativa de estender meus braços. Leila os aceitou. Ficou comigo, por rápidos minutos. De minha parte, a formidável sensação de que, pela quinta vez, voltava a ser pai. ( 07 de dezembro de 2016)
Obs: Publicado na Folha de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.