vladblog2011

Primeiro entrou o irmão, que se acomodou na poltrona da janela. Depois, a mãe, que ficou no meio. Só aí vi que Leila – esse o nome – estava ali, no colo da mãe, do colo para o pequeno espaço que se abria, e, à falta do que fazer, começou a jogar no chão as recomendações de  sobrevivência, caso a aeronave pousasse no mar (arre, Deus!). Leila aparentava, no máximo, mais de um ano e menos de dois. Pouco falou, ou quase nada, no que não fazia falta, procurando espaço para sentar no chão, invadir a área do irmão, revelando respeito pela minha área. A única intimidade que se atreveu foi colocar a mão no meu joelho.

O fato, na dura realidade de a aeronave demorar a sair – quase quarenta minutos de atraso – aparentemente não perturbou Leila.  Mas afetou o irmão, que perguntava a mãe quando o avião ia voar. Quando, enfim, a viagem começou, ele, coitadinho, de tanto esperar, adormeceu, não sem antes tomar uma cotovelada de Leila, ficando todo choroso, a reclamar que ela tinha lhe batido na cara, logo na cara, no que proporcionou a Leila um gesto lindo: alisar o cabelo do irmão e na cabeça sapecar dois beijos para a dor desaparecer. Desapareceu, porque o choro silenciou.

A demora na saída ensejou consequências lastimosas. Não no irmão, que dormiu antes do vôo. Leila é que, na movimentação que fazia, perdeu o sono. Quando a aeronave já estava no ar, em vão a mãe tentou fazê-la dormir, mudando de posição, balançando o pé, Leila fechava os olhos,  convocando o deus do sono, mas Morfeu não deu sinal, e a viagem toda prosseguiu assim, Leila se esforçando para dormir, penalizada pela demora (os vôos deveriam ser pontuais, quando crianças estão a bordo), não indo além de fechar os olhos.

Com trinta minutos, atracamos no Aracaju. Foi aí que, quando todos se levantam ao mesmo tempo, na busca inicial da bagagem de mão, a mãe se ajeitando com Leila nos braços, na tentativa de retirar pacote, tive a iniciativa de estender meus braços. Leila os aceitou. Ficou comigo, por rápidos minutos. De minha parte, a formidável sensação de que, pela quinta vez, voltava a ser pai. ( 07 de dezembro de 2016)

Obs: Publicado na Folha de Pernambuco
 [email protected]
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]