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Ela procurou,
desde cedo,
uma expressão para o já sentido e apreendido.
Apesar desse mundo dissociado,
caótico, absurdo e esquizofrênico.
Cedo também
alertou os poetas
para o compromisso social da palavra.
Do desejo de ultrapassar o nada
nasceram seus poemas inconformistas.
Porque sabia da terrível solidão do ser,
desenhada na tríade dos protegidos de Deus:
os doidos, os tristes e os poetas.
Trazia uma premente necessidade
de estado de paixão e de embriaguez da vontade.
Por acreditar que só assim fazemos
nosso caminho dentro do outro
e sofremos o percurso alheio,
numa intuição mágica e essencial.
Alertou ainda
que o escritor traz o umbigo nas mãos,
porque só assim se dá
a aproximação com os outros.
E também que cada um tem a sina
de carregar alguns textos infelizes,
exemplificando que sempre buscou
uma tensão determinada nos seus
– mantendo sua corda sempre esticada –
para que sobrassem alguns deles
tatuado de sagrado e de magia,
e a salvasse.
Não acreditava no amor único,
instransferível, transmutável.
Alegando que após o encontro inaugural
que o corpo procura,
o que sobram são performances
depois que o encantamento acaba.
Mesmo assim,
procurou viver sempre vendo a vida
de uma forma mágica,
prenhe que foi de compaixão
pelos seres humanos,
pelos animais
e pelas plantas.
Num estado de contínua comoção,
de renovação, diante das coisas e do mundo.
No seu processo de escrita
precisou explodir-se a si
para existir nos outros.
Porque sua velha questão existencial
não a abandonou nunca.
Tinha entranhada em si duas indagas:
como ser mais útil ao próximo?
Como servir à comunidade?
Maga das túnicas e pratos de barro,
atenta aos mistérios do universo,
recusava-se a cometer a estupidez coletiva:
considerar o inexplicável como fraude.
E a receita da boa convivência
dizia que se baseava
no pensar e repensar sobre nós mesmos,
para que o reino da tolerância existisse.
Para ela, o terno do humano caminho,
reposicionador dos homens, era:
a ciência,
a filosofia metafísica
e a literatura.
Porque viu que a Razão, a Fantasia e a Proporção
reproduzem a confluência einsteiniana,
e que, delimitados à distância,
presente, passado e futuro
arqueiam numa só ponta no infinito.
Impressionava-se com aqueles
que diziam ser a escrita um prazer.
Para ela, sempre um sofrimento,
uma tormenta,
mas que lhe compensava
pela vontade de ultrapassar-se,
voar além da mesquinha finitude.
Para os escritores,
pregava sua regra única:
não pactuar,
não transigir com a mentira imposta.
Para que o escrito sofra apenas
a transformação da ética para o político
e seja voz diante de tanto silêncio.
Para se libertar das angústias humanas:
o decorrer do tempo,
a brevidade da vida,
o amor
e a morte,
buscava sempre se agarrar ao instante.
A fim de se libertar da morbidez da alma
e fugir da amavissi,
a nostalgia profunda preconizada por Jankélévitch.
Dizia que era preciso
sentir cada vez mais
e cada vez definir menos.
Porque um corpo de conceitos longínquos
já tinha sido montado para o escritor,
formado de todos os “ismos”:
capitalismo,
marxismo,
facismo,
nazismo,
cristianismo,
islamismo,
carreirismo
e consumismo.
Ainda em vida
declarou a morte da universidade, devido
ao seu condicionamento e esquematização.
Exemplificando que alguém que passa a vida inteira
apertando um parafuso não terá tempo
de pensar em mais nada.
Viu e preconizou
a desvalia da palavra e da crítica,
ainda no século passado,
dizendo – e ganhando inimigos –
que o poeta e o escritor
valiam menos do que um cavalo morto.
Pois o poder estava encarcerado em círculos
e a palavra havia sido alijada dos mesmos.
Justificava sua escrita
contrariando a espontaneidade,
afirmando que qualquer idiota pode sê-lo.
E que a literatura nasce do conflito
entre a ordem que você quer
e a desordem que você tem.
Se foi acreditando piamente na utopia,
dizendo que nesse mundo de hoje
só mesmo um louco é que não precisa dela.
Sobre o métier literário,
esse show de horrores composto
de feiras e palestras literárias,
achava tudo um engodo,
um circo sem graça.
O escritor ter de seduzir o outro
pelo corpo físico,
em detrimento da escrita
era demais para ela.
E agarrava-se nessa tese
afirmando que o homem contemporâneo
está esvaziado de alma, de espírito e de beleza.
Emotiva e passional, dizia que
só essas duas situações humanas a interessavam,
porque ambas têm o poder de deslanchar
as atitudes inesperadas e revelar
o roteiro inexplicável do homem,
sempre tentando ficar próximo
de um divino que não consegue nomear.
Em sua escritura encarnou
a santa, a prostituta e o corifeu.
Criando uma outra língua portuguesa
densa e metafisicamente confessional,
seja na poesia lírica, na dramaturgia
ou na prosa ficcional.
Clariceana,
via a literatura como ascese e mergulho,
e não simulação e exibicionismo,
como a maioria.
Dionísica,
de intensidade latente
no viver e no escrever,
buscava o sublime e o sagrado
com o seu obsceno erotismo.
Edipiana,
criou, ao longo da vida,
toda uma construção mágica em torno do pai,
buscando-o sempre nos outros que se avizinhavam.
E da sua tragédia familiar, fez o seu Potlatch.
Tinha o desejo de se irmanar com o inatingível
para ver se descobria o sentido de existir,
porque sabia que religioso é todo aquele
que se pergunta em profundidade.
Hilda Hilst,
prolífica e versátil,
esfinge da literatura brasileira.
Que desejava ser lida com profundidade
e não apenas como distração.
Sua reputação antecedeu sua obra
e a devorou.
Obs: Imagem enviada pelo autor.