DESERTO ADENTRO

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No dia 22 de dezembro o serviço de som anuncia: “Grande procissão para o açude da Forquilha, para agradecer pelo dom da água e pedir que não venha a faltar”.  Às 4 hs da tarde sai o cruzeiro na frente, e o povo acompanha com pé no chão: PERDÃO, MEU JESUS! A primeira parada é no Riacho Salobro, onde refletimos a leitura de Ex 15, 22: “Caminharam três dias no deserto sem encontrar água e chegaram em Mara, onde não puderam beber de sua água, porque era amarga. O povo murmurou: Que haveremos de beber? Moisés clamou ao Senhor, e o Senhor lhe indicou um madeiro que ele jogou na água. Com isto, ela ficou doce. Foi neste lugar que o Senhor deu ao povo preceitos e leis e ali o provou”.    Lembramos que a seca tem sido uma mestra, e que o aperto ensinou o povo a juntar todas as forças na união. Que a dificuldade é tempo forte para viver o amor ao próximo. O cruzeiro estava lá à vista de todos, madeiro que o Pai jogou nas águas amargas deste mundo, de sorte que elas se tornaram doces. O cálice da amargura foi horrível para Jesus beber, mas no fundo deste cálice tinha um doce sabor: É por amor! Por isto, sua ultima palavra sai sem vacilar: “Está consumado”. O fel que ainda está na boca se transforma em mel.

Sim, a amargura é potável. Damião descobre que participa da cruz redentora, e o galão se torna leve. E Benedito vai satisfeito, mesmo “com os joelhos vacilantes”.

Quando a procissão segue em frente, encontramos a banda de pífanos da Forquilha, tocando Benditos de Padre Cícero. Na segunda parada refletimos o “Rochedo de Horeb” em Ex 17. “O Senhor está ou não está no meio de nós?” Ninguém teve dúvida. Depois chegamos na beira do açude e passamos na parede. Todos se assustam com o pouco de água que ainda resta. Os pés descalços estão indicando que a terra é santa. “A Forquilha tem sido uma mãe para o povo”. Na beira da água tem uma península onde cabe exatamente o altar com o padre.  Alí fica plantado o cruzeiro, complementando o palco como se fosse para a  Primeira Missa do Brasil. O povo está na banda seca do açude que serve de arquibancada. Dona Maria enche uma cabaça com água, e o padre asperge as pessoas, enquanto se canta: “A minh´alma tem sede de Deus”. No ofertório se faz presente de novo o sacrifício das caminhadas com toda canseira. Enquanto eleva o cálice, o padre fica pensando: “Como posso ser celebrante desta missa, se eu não tiver parte no sacrifício diário desta gente?” Na hora do prefácio o sol está dando o seu último brilho por cima da parede do açude. O céu e a terra proclamam a vossa glória!

Na Comunhão Deus alimenta o seu povo com o Maná, para que possa aguentar outra caminhada deserto adentro. Pois a água da Forquilha está se despedindo. No fim da missa Irmão João pergunta às pessoas, se elas têm coragem de fazer outra procissão mais longa, e todos respondem que sim. Ficou combinado: Vamos até a prefeitura de Itaíba para despertar as autoridades! Na volta se viu muita coragem na multidão. E de onde veio esta força? Sei que fora da hóstia sagrada não comeram nada. Quando passamos na igrejinha da Forquilha, Pedro Chicão cantou um verso de Reizado: “Deus vos salve, Matriz, onde o padre diz a missa cantada…”, e Dona Maria, sem tirar a lata da cabeça, tirou a segunda voz. O cruzeiro não fica só no ombro dos homens. As mulheres fazem questão de carregar o peso também, e as moças não ficam para trás.

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Obs: O autor é  Frade Franciscano, nasceu na Alemanha em 1940.
Chegou ao Brasil como missionário em 1964. Depois de completar os estudos em Petrópolis atuou no Piaui e no Maranhão. Exerceu trabalhos pastorais nos anos 80 em meio a conflitos de terra. Desde 1995 vive em Teresina no RETIRO SÃO FRANCISCO onde orienta pessoas na busca da vida espiritual.
 Imagens enviadas pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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