Padre Beto 15 de janeiro de 2017

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Três casais homossexuais estão prestes a oficializar a sua união. O casamento coletivo aproxima os familiares no fim de semana anterior. Nesse encontro, principalmente as mães dos noivos passam a ter mais contato. A partir daí, sentimentos como euforia, ansiedade, vergonha se misturam na cabeça dessas mulheres e começam a complicar seus relacionamentos entre si e com o seu universo social. Rainhas, a divertida produção de Manuel Gomez Pereira, nos oferece situações através das quais podemos refletir sobre a diversidade humana e principalmente chegar à conclusão (infelizmente não tão óbvia para alguns) de que homossexuais, bissexuais e heterossexuais são simplesmente e plenamente seres humanos.

O filósofo grego Sócrates ficou conhecido como o pensador que possuía uma importante máxima: “Conhece-te a ti mesmo”. Porém, o que passou despercebido no transcorrer da história do pensamento foi que o apelo de Sócrates aos seus concidadãos foi mais que um autoconhecimento. O conhecer a si mesmo, na verdade, constituía-se em uma pequena parte do verdadeiro apelo de Sócrates: o “cuidar-se de si”. Na verdade, o filósofo é aquele que procura despertar seus contemporâneos para um cuidado de si. “Cuidem de si mesmos” (em grego epiméleia heautou, em latim cura sui) procurava alertar Sócrates. O que o filósofo pregava não era um individualismo no sentido do cada um por si. O apelo de Sócrates estava estreitamente ligado ao aprofundamento do significado das relações sociais, do relacionamento das pessoas em uma determinada sociedade. Sem dúvida alguma, a meta final do cuidar-se de si é o “eu”, o sujeito. A relação consigo mesmo e o bem-estar da pessoa humana aparece como objetivo da prática de si. Porém, este cuidar-se de si está intimamente relacionado com o contato com o outro e o papel central que este possui na relação consigo mesmo. O outro é compreendido aqui como o mediador indispensável no cuidado de si. Já dizia Sêneca que ninguém é tão forte para se livrar por si mesmo do estado de insensatez no qual se encontra: “é preciso que se lhe estenda a mão e que se puxe para fora”.

Nos diálogos socrático-platônicos existem três formas de contribuição para a construção de uma vida saudável, três tipos de relação com o outro indispensáveis para o cuidado de si. A primeira forma de relação com o outro é a contribuição através do exemplo. Queiramos ou não buscamos modelos de vida durante o desenvolvimento de nossa existência. O outro, muitas vezes, torna-se um modelo de comportamento, modelo este transmitido pela tradição, pelas religiões, pela mídia ou simplesmente pelo meio social. Estes modelos tornam-se, por um período de tempo, verdadeiros “heróis” e influenciam em nossa maneira de ser. São pessoas que, aparentemente, possuem personalidade e ações marcantes. Sejam essas pessoas autênticas ou construídas, elas mostram caminhos a seguir, principalmente através de seus atos. O segundo tipo de relação com o outro é a contribuição através da competência, ou seja, a simples transmissão de conhecimentos, princípios, aptidões, habilidades, etc. As pessoas, através de instituições como família, escola ou informalmente em grupos de amigos, transmitem seus conhecimentos e informações. Finalmente, o terceiro tipo de contribuição é a relação socrática, ou seja, a contribuição do embaraço exercida através do diálogo. O diálogo socrático é aquele que mais indaga, questiona do que informa. Esse tipo de diálogo é o melhor remédio para a tolice. O tolo é o convicto de que não possui mais nada a aprender. O incansável questionamento é a forma mais eficaz de fazer o outro (e a si mesmo) sair da tolice e admitir sua ignorância. Mas não é só isso. O método socrático nos ensina que a ignorância tem muito a ensinar, algo que o próprio ignorante não descobriu. O questionamento faz com que possamos perceber que não sabíamos que não sabíamos, mas também que não sabíamos que sabíamos. Provocar a dúvida não é nenhum mal ou pecado, mas consiste em mostrar que a ignorância, de fato, ignora que sabe, portanto, que até certo ponto o saber pode vir a sair da própria ignorância. Uma sociedade só contribui com o bem-estar da pessoa humana à medida que possui modelos autênticos que transmitem valores construtivos, à medida que os seres humanos compartilham seus conhecimentos e experiências e, principalmente, se questionam mutuamente. Aliás, ao invés dos jovens questionarem os adultos (se é que eles possuem ainda esta prática), os adultos deveriam, ao invés de criticá-los ou se escandalizar com seus comportamentos, simplesmente questioná-los. “Vós olhais para cima quando quereis elevar-vos. Eu, como me encontro no alto, olho para baixo” (Nietzsche).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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