vladblog2011

Os dois livros, só com letras musicais, ao que parece, com sinais destinados ao tocador de violão, depois de muitos e muitos anos, me voltaram as mãos, ao lado de coleções de romances de velhas datas. Reuni tudo em meu gabinete, em estantes que, aproveitando o espaço pequeno, bolei, abrindo mão da porta – que foi retirada – e do aparelho de televisão – que ganhou outro destino.  Não podia perder espaço. Se as coleções, iniciadas em 1970, me deixaram feliz por ver velhos livros, bem conservados, sob meus olhos, outra vez, os dois livros, o das letras musicais, me pegaram  bem na área do coração, onde a saudade plantou raiz e se fincou.

É que estavam, em muitas páginas, marcados por clips coloridos, que Iana tinha colocado. Não sei exatamente o motivo de tanto marcação, se em função das letras das músicas assinaladas, ou, se foi um mero exercício. O certo é que os clips estavam lá e vão continuar, porque não me atrevi a mexer em nada, absolutamente nada. O que Iana assinalou,  assinalado está. E aí, eu paro, tiro os olhos do computador para fitar seu retrato, onde ela está a rir, em porta-retrato, bem a minha frente, ou, subo um pouco a vista para apreciá-la em três fotos da coleção dos seus quinze anos, ela fazendo algo que muito gostava, isto é, pose para bem sair nas fotos, de óculos, em uma, a fitar algum ponto no horizonte; em outra, a mão no queixo, a apreciar o alto, e, na terceira, de chapéu, o rosto voltado para o lado, e, nesse último, tenho a leve impressão que me observa, como se estivesse a indagar acerca do que escrevo.

Se pudesse, responderia: escrevo saudade, minha filha. Escrevo sobre você, em Maceió, indo pro comércio, e voltando ao meu gabinete, para pedir dinheiro a fim de comprar alguma coisa. E eu, só para provocar, respondia: dinheiro não tenho. E você, rapidamente: cheque serve. Ou também, ainda em Maceió, me vendo despachar processo por processo, perguntando como eu sabia o que ia escrever em cada um, me fazendo rir com a dúvida manifestada. Ou, então, em Itabaianinha, vendo a agência do Bradesco, onde o seu tio Tonho [Totoca para os demais] gerenciava. Lembrou-se, então, da de Itabaiana, muito maior, e exclamou: Aqui não é o Bradesco, é o Bradesquinho.

Escrevo saudade, minha filha, assinando-a com a caneta Parker 51, do final da década de cinquenta, que tio Eladio me presentou, caneta que lhe deixaria com a minha morte, e você, Iana, ficou feliz, com a herança anunciada, guardiã que seria da caneta que há tantos anos assino despachos, decisões, sentenças, o mesmo fazendo em segundo grau, nos votos proferidos, promessa que lhe fiz quando nenhuma nuvem sombria cobria o céu de nossas vidas, o horizonte se vestia de azul, e ninguém poderia calcular que o tempo ia sofrer, como sofreu, mudança brusca e letal.

Você ainda é, Iana, a artista que veio de São Paulo, lembra-se da brincadeira nos seus três ou quatro anos? Você continua sendo a roseira de seu avô Jubal, que agora  só brota no Céu, cheia de rosas bonitas, despojada de espinhos que ficaram na terra e foram consumidos por ela, quando você fechou os olhos e partiu. Você é aquela alegria dolorida que sinto quando, aqui e ali, aparece nos meus sonhos, me deixando o dia inteiro em estado de êxtase.

Com a sua partida, seu nome passou a ser meu sinônimo de saudade, saudade que vou colhendo no dia a dia, há mais de dezesseis anos .( 05 de novembro de 2016.)

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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