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Os olhos do menino maltrapilho assediavam vitrines natalinas com sonhos inalcançáveis. A barriga roncava. A mãe o abandonara para viver com o traficante do morro. Com apenas seis anos, aquele fiozinho de gente tinha que se sustentar engraxando sapatos. Naquele dia não conseguira nenhum cliente. Engraxate era profissão quase extinta. Só lhe restava ir para debaixo do viaduto cheirar cola e dormir. Foi o que decidiu fazer. Caminhando cabisbaixo pela calçada da loja de brinquedos, ouviu Papai Noel: “Rou, rou, rou”. Esboçou um sorriso e ensaiou entrar.
– Dê o fora daqui, ladrãozinho! Se der mais um passo, chamo a polícia – advertiu o segurança.
Enxotado, caminhou até a vitrine de calçados. Parou e ficou observando o movimento dentro da loja. Seus olhinhos começaram a construir lágrimas no exato momento em que um casal, de mãos dadas com a filha, parou próximo a ele. Ao vê-lo, a menina agarrou o braço da mãe e demonstrou enfaro. A mãe encenou um olhar de reprimenda para o marido, que a ignorou.
– Posso saber por que você está chorando?
O menino o olhou desconfiado, ameaçou fugir, mas foi seguro pelo braço.
– Você não vai embora enquanto não me disser o motivo dessas lágrimas. Você quer ganhar um par de sapatos?
– Deixe ele em paz – censurou a mulher – Não vê que é um moleque de rua? Se bobear é até assaltante.
A menina empinou o nariz e ordenou ao pai:
– Quero ir embora, agora! Me leva já pra casa!
O homem, indissolúvel, afagou os cabelos sujos e embaraçados do menino.
– Você deve estar com fome. Venha comer um lanche conosco.
“Conosco!?” – Resmungou a mulher enquanto o menino tentava, em vão, se desvencilhar do homem. Ao se sentarem à mesa da lanchonete, a maioria dos clientes cochichava, apontava, demonstrava repulsa.
– O que está esperando, rapazinho? Esse lanche e esse refrigerante são seus. Devore-os.
Diante da ternura do homem, o menino matou a fome.
– Agora, de barriguinha cheia, me diga: por que estava chorando? Você estava querendo alguma coisa daquela loja? Ou de outra?
O menino, envergonhado, pousou os olhos sobre a mesa.
– Obrigado pelo lanche, moço. Eu não quero nada, não. Preciso ir embora.
– Antes me diga: por que tanto olhava aquela vitrine e chorava?
Novas lágrimas brotaram.
– Eu não quero nada de nenhuma vitrine.
– Diga logo, menino! – Exigiu a mulher.
– Menino bobo. Tem tanta coisa bonita nessas lojas – opinou a menina enxugando os lábios molhados pelo refrigerante.
Depois de um breve silêncio, ele contou:
– Pelas vitrines eu olhava o interior das lojas. Muita coisa bonita. Vi famílias de mãos dadas, sorridentes, felizes.
O coração de pedra da mulher se quebrou, e ela caiu em prantos quando o menino concluiu:
– Não preciso de sapatos novos, nem de roupas bonitas, moço… Eu preciso de uma família.
Obs: Publicado no jornal Tribuna do Norte em 21.12.16
O autor é membro da Academia Pindamonhagabense de Letras é autor de: Lágrimas de Amor – poesia; O sapinho jogador de futebol – infantil; O estuprador de velhinhas & outros casos – contos; Histórias de uma índia puri – infanto-juvenil; O casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte, e Um caso de amor na Parada Vovó Laurinda – cordéis.
Imagem enviada pelo autor.