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“Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”, ensina o ditado popular. Mas há também uma nova versão, igualmente sugestiva: “Água mole em pedra dura, tanto dá até que termina a água”. Além de seus inúmeros usos – tal como “furar pedra dura”, irrigar, produzir energia, saciar a sede –, a água se apresenta agora como um problema. Está ficando escassa. Sabe-se que o planeta Terra é constituído por 2/3 de água. Entretanto, apenas 3% é água doce e somente cerca 0,007% é de fácil acesso. Desse percentual, há ainda um grande volume que está sendo poluído, contaminado, mal utilizado ou desperdiçado.

Segundo o Ministério das Cidades/2013, a média de perda de água tratada nos sistemas brasileiros de distribuição é de 37%, o que faz do país um dos campeões mundiais em desperdício. O Brasil possui cerca de 12% de toda água doce do mundo. Porém, conforme a Fundação Nacional de Saúde/2010,  40 milhões de pessoas (20%)  não têm acesso à água tratada. Além disso, apenas 46% dos domicílios contam com coleta de esgoto. Dados da Organização das Nações Unidas/2015 (ONU), revelam que um  terço da população mundial ainda não possuem acesso a serviços de saneamento básico e água potável. Afirma também que, a continuar no ritmo que estamos, em  2050 mais de 45% da população mundial não terá o mínimo de água para as necessidades básicas.

O discurso da escassez da água aponta para uma realidade concreta, que se agrava a cada dia que passa. Sob a ordem capitalista, a diminuição da oferta de algum “produto”, bem ou serviço se constitui em regra de ouro para o aumento do seu valor de uso. Assim, a escassez da água, indispensável para a manutenção da vida, estimula a sua privatização e mercantilização. Grandes empresas privadas fazem da água seu grande negócio, na medida em que detêm o controle de mananciais e de mecanismos de distribuição. O devia ser um direito inalienável de todos, transforma-se em objeto de lucro para alguns.

Diante dos diversos problemas ambientais, são os pobres que sofrem os maiores impactos. A eles sobram as áreas mais degradadas, onde o saneamento básico e os demais serviços públicos são mais precários. Daí advém uma série de doenças, que podemos caracterizar como doenças do atraso, num país que está na linha de frente em muitos aspectos. Entre as doenças do atraso que continuam vitimando crianças, jovens, adultos e idosos estão a diarreia, a cólera, a febre amarela, a febre tifoide, a dengue, a malária, etc.  Segundo a ONU, todos os anos 3,5 milhões de pessoas morrem no mundo por problemas relacionados ao fornecimento inadequado de água, à falta de saneamento e à ausência de políticas de higiene.

Por iniciativa da ONU, desde 1992 comemora-se, em 22 de março, o dia Mundial da Água. Naquela data, a Organização divulgou a Declaração Universal dos Direitos da Água, contendo 10 artigos. No art. 2º, afirma: “A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano…”. Na visão dos povos indígenas, a água é o sangue da mãe-terra. Portanto, algo que não se cogita comercializar.

Para o papa Francisco, “o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos” (Laudato Si, nº 30). O papa chama atenção para a necessidade da educação ambiental; para o fortalecimento de uma cultura do cuidado; para a prudência e cuidado na manutenção e no uso dos bens naturais e para uma ecologia integral.

A Campanha da Fraternidade (CF) deste ano, promovida em espírito ecumênico por um conjunto de igrejas cristãs, aborda novamente a questão ambiental. Essa temática já foi tratada em outras campanhas, o que revela que os problemas continuam e alguns estão se aprofundando. Específicamente sobre a água, o texto-base da CF, em seu nº 84, adverte: “Cabe à população conscientizar-se sobre o uso e reuso da água. As empresas, por sua vez, têm a responsabilidade de adotar tecnologias capazes de reduzir a demanda de água e o despejo de resíduos nos rios e mares. E o governo tem a obrigação de melhorar a legislação e garantir a sua aplicação cuidando da conservação dos reservatórios e de uma rede de distribuição eficiente”.

De acordo com o tipo de escassez da água, exige-se um tipo de atitude. Diante da escassez apregoada pelo mercado, é preciso uma luta séria pela não privatização (ou desprivatização) e pela não mercantilização (ou dermercantilização) da água. Ante a poluição dos mananciais, dos lençóis freáticos e das nascentes, da destruição criminosa dos rios, como no caso do Rio Doce, provocada pelo rompimento das barragens de rejeitos líquidos em Mariana/MG, urge adequada fiscalização, eficientes políticas públicas para preservação das matas ciliares, e formas sustentáveis de tratamento de resíduos pós-consumo.

Nossa responsabilidade é séria, comum e deve ser permanente, pois a água é mais que uma simples substância líquida. Possui um valor social, ambiental e simbólico incomparável. Para além de um mero e repetido slogan, vale ressaltar que água é vida.  Se economizarmos e cuidarmos efetivamente, ela continuará a existir em quantidade e qualidade suficientes Assim, nós e as gerações vindouras poderemos também seguir vivendo!(06.02.16)

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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