Até os anos 40 a escola primária representava o início e o fim do ensino no município de Itabaiana. A educação era oferecida por escolas pertencentes às professoras Isabel Esteves de Freitas, Maria da Glória Ferreira, Marieta Machado e Josefa Sotero. Como eram instituições particulares, as crianças de famílias pobres ficavam excluídas do ensino de nível elementar. A fundação do grupo Escolar Guilhermino Bezerra, primeira escola pública da cidade, transformou a vida das pessoas. Abrigava a responsabilidade de oferecer alfabetização a todas as crianças, desempenhando papel central na melhoria de vida das classes menos favorecidas.

O grupo Escolar incorporou, em seu bojo, as quatro professoras e seus alunos e o resultado foi uma escola de grande reputação na comunidade e entre os estudantes. Em pouco tempo o centro de ensino Guilhermino Bezerra passou a ser proeminente, atraindo grande número de estudantes de municípios vizinhos.

Quando a certa altura da infância senti-me fisgado pelas letras e pelos números, o caminho prático era a escola. Fui com minha mãe procurar o grupo. Tomei conhecimento de que o primeiro passo era esperar a época das matrículas para fazer minha inscrição. A certidão de nascimento era o único documento exigido. Legalizado aluno, fui bom cumpridor das normas, estava quase sempre entre os primeiros que chegavam à porta da escola antes de o toque do sino permitir a entrada. Algumas vezes, até mesmo em jejum, sem fazer penitência ou cumprir prescrição religiosa. Miserável jejuar que me provocava dor na barriga, suor frio, tremor nas mãos, vexame no coração e subordinava a moral e a ética a seus desejos. Resolvia a aflição por meio de um delito. Sem ser surpreendido, comia a merenda de alguém da classe.

No primeiro dia de aula uma auxiliar de ensino nos conduziu à sala. As meninas foram distribuídas nas duas primeiras filas e os meninos nas outras duas. A disposição nas filas obedecia o critério de altura, com os menores na frente. De pé, esperamos ansiosos a professora. Depois de alguns minutos de tensão e suspense a mestra adentrou à sala. Ocupou sua carteira, estendeu o braço direito e movimentou a mão, como faz a lagartixa com a cabeça, ordenando sentarmos, e verificou a presença. Encantou a todos pela elegância natural, trajes decentes e acessórios discretos. Modo de escrever bonito e linguagem aprimorada e acessível. A lição era ministrada com entusiasmo e a classe atenta esforçava-se para memorizar os ensinamentos. A clareza de suas explicações permitia a sua assimilação pela totalidade dos alunos, salvo raras exceções. Sabia identificar as características de cada aluno, percebia aqueles que apresentavam alguma dificuldade e, com sutileza, repetia de forma gradual e cuidadosa as suas explanações. No conjunto das reações que se podia observar na mestra, eram perceptíveis prudência e estabilidade emocional. Irradiava harmonia e sabedoria. Com ela aprendemos as primeiras letras, soletrar palavras de três sílabas, caligrafia cuidadosa e compreensível, ler pausadamente pequenas frases, ditados, gêneros (masculino e feminino), plural (mais de um), singular (apenas um) e operações elementares (soma, subtração, divisão, multiplicação) com números de um ou dois algarismos.

As batidas do sino às 10 horas anunciavam um recreio de 30 minutos. Momentos alegres e felizes brincadeiras. As meninas arrumadas em fila saíam na frente em direção à quadra, que era coberta, calçada e sem paredes, onde formavam pequenos aglomerados com meninas de outras classes. Brincavam de dança de roda, amarelinha ou macaca, ioiô, bambolê, pinta lainha e peteca. Os meninos ocupavam uma quadra gramada e descoberta. Brincávamos de bola, cabo de guerra, salto em altura, salto em distância, cama de gato, rodar pião e bola de gude. Recreio encerrado, todos retornavam às suas salas. Os meninos com a farda molhada de suor, mas sem exalar a catinga de sovaco dos adultos.

Um medo irracional, uma preocupação excessiva e sentimentos confusos por razões religiosas, sociais e culturais não permitiam que crianças de sexos diferentes, sem nenhuma maldade, participassem das mesmas brincadeiras. Machismo perverso que deve continuar vivo, mesmo após as conclusões dos trabalhos com acelerador de partículas, alimentando uma distorção de percepção da realidade com avaliação negativa do sexo feminino. Maldito seja quem escreveu e todos que divulgaram pelo mundo narrações alegóricas que fazem parte de um conjunto maldoso a fazer difusão, de forma sub-reptícia, que as mulheres não guardam fidelidade e afeição em seus sentimentos. São lendas clássicas e discriminatórias: Eva levou Adão ao pecado, Salomé foi responsável pela decapitação de João Batista, Dalila destruiu Sansão, Bethesobéia tornou Davi adúltero, Sara traía Abraão e Maria casou prenhe.

Separar crianças, sem desejos, era ranço de coisa velha e estragada de quem pregava separar o joio do trigo, os bons dos maus. O tóxico do joio deve ser adoçado e os maus devem ser civilizados.

Estigma, tabu e medo devem ser vencidos. Homens e mulheres são seres com mesma origem. (Aracaju, 04 de maio de 2014)

Obs: O autor é médico e membro da Academia Itabaianense de Letras.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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