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Entre 1992 e 2002, o padre jesuíta Mário de França Miranda participou no Vaticano de reuniões da Comissão Teológica Internacional, formada por 30 estudiosos de todo o mundo e presidida por Joseph Ratzinger. O professor da PUC-RJ lembra-se do novo papa como um homem tímido, dedicado às questões sobre teologia.
Padre França, 68, diz que, nos livros que escreveu, Ratzinger defendeu idéias liberais e a necessidade de a igreja ser menos “moralista, autoritária”. Ele discorda dos que imaginam o novo papado como uma continuação do anterior, e afirma: “Muita gente pode se surpreender”.
França afirma que Bento 16 não será um “papa da mídia”. “Tem uma voz fraca, fala pausadamente, mas muito bem. Em alguns aspectos, ele vai ter um espaço que ainda não teve para inovar.”

Folha – Qual o significado da eleição de Joseph Ratzinger?
Padre Mário de França Miranda 
-Em primeiro lugar, o fato de ter sido escolhido com tanta rapidez mostra que houve um acordo quanto à descrição feita do estado de crise [da igreja]. Como escolheram Ratzinger, que tem mostrado uma certa firmeza em alguns pontos, talvez tenha prevalecido a descrição da igreja atual como um barco que está fazendo água, segundo ele próprio falou.

Folha – Que furos haveria no barco da igreja?
Padre França 
– Na Europa, por exemplo, a indiferença religiosa é muito forte. É uma sociedade que tem uma riqueza que nunca teve, e todos vivem o prazer imediato. E isso já está entrando aqui também, pelas classes mais altas. A igreja está tendo uma certa dificuldade de falar com esse mundo da modernidade.
A família está em crise, a universidade está em crise, o Estado está em crise. As mudanças de padrões e valores também afetam a igreja hoje.

Folha – Ratzinger será uma continuidade de João Paulo 2º?
Padre França 
– Eu não acredito. Até agora, ele foi submisso ao papa anterior. Estava a serviço de João Paulo 2º. Comungavam de muitas idéias, mas são pessoas de formações muito diferentes. Ratzinger tem uma formação teológica muito mais forte. É o último remanescente do Concílio Vaticano 2º, onde entrou com 35 anos.

Folha – Como o senhor o classificaria como teólogo?
Padre França 
– Hoje ele tem uma linha que é considerada mais conservadora. Mas, nos primeiros livros, era bastante aberto, acompanhava toda a evolução do Concílio Vaticano 2º. São livros que se tornaram clássicos.
Ultimamente, ele estava muito assustado com algumas coisas e começou a apertar posições. Mas, mesmo nos últimos livros, ele fala claramente: a igreja tem que mudar, é muito pesada, moralista, autoritária.
E ele é alemão. Na Alemanha, católicos e luteranos se encontram a todo momento, aprenderam a conviver e a dialogar.
Sobre as outras religiões, duvido que vá dar um passo atrás em relação ao que João Paulo 2º fez. O valor das religiões é muito importante neste mundo materialista. João Paulo 2º percebeu isso, e ele também percebe.
Mas há mudanças inevitáveis. Ele é tímido demais, já provou isso hoje [ontem] mesmo. João Paulo 2º ficaria dez minutos fazendo aquele povo gritar, ele ficou o mínimo possível. Não será um papa da mídia. Tem uma voz fraca, fala pausadamente, mas muito bem. Em alguns aspectos, ele vai ter um espaço que ainda não teve para inovar. Muita gente pode se surpreender.

Folha – O senhor, então, não concorda com a visão de que Ratzinger estaria à direita de João Paulo 2º?
Padre França 
– Não, porque ele era só uma voz dentre outras. Não era ele que soprava as coisas no ouvido do papa. Havia muito mais gente. E gente da qual ele discordava, mas nem sempre a voz dele era ouvida. Agora não, ele vai ter espaço para tentar imprimir a linha que achar melhor.

Folha – Mas o poder tende a continuar centralizado na Cúria Romana?
Padre França 
– A concentração aconteceu com João Paulo 2º. Pode ser que ele [Ratzinger] tenha visto que não foi bom. Creio que ele vá descentralizar um pouco.

Folha – E poderá haver mudanças em relação a tabus como os métodos contraceptivos e o homossexualismo?
Padre França 
– As mudanças já estão ocorrendo. Há muita gente na igreja querendo que esses temas sejam repensados. Mas o avanço é lento. A igreja não gosta de dar um passo e depois dar marcha a ré. Eu comparo a igreja a uma procissão. Se você vai muito rápido, os velhos ficam fora. Se vai muito devagar, os jovens caem fora também.
O Concílio Vaticano 2º, que acabou nos anos 60, não chegou para muita gente até hoje.

Folha – Por causa do processo contra o frei Leonardo Boff, Ratzinger ficou com uma imagem de inquisidor no Brasil. Essa imagem é correta?
Padre França 
– O problema do frei Boff é muito complexo. Os dois eram amigos antes, Ratzinger ajudou muito Boff a fazer sua tese. Depois é que as coisas foram ficando difíceis.
Mas acho que a linha da Teologia da Libertação, da opção pelos pobres, foi assumida pela igreja em encíclicas sociais do papa, e também na segunda encíclica sobre a Teologia da Libertação, feita depois que [o cardeal brasileiro] d. Aloísio Lorscheider foi a Roma e explicou direito o que era.
O segundo escrito já não era duro como o primeiro. (20.04.2005)

Obs: Reportagem de Luiz Fernando Vianna  DA SUCURSAL DO RIO 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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