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Nos dias atuais, a análise da realidade sócio-política do Brasil e do mundo não favorece o cultivo da esperança. Cada dia mais, fica difícil pensar que “tempos melhores virão”, como se o próprio ritmo da história pudesse garantir que amanhã será melhor do que hoje. O evangelho diz que quem planta espinhos não pode colher uvas. O jeito como a sociedade organiza o mundo revela um futuro em nada promissor. E o sistema dominante se reproduz e se desenvolve através do dogma, pregado, tanto no plano da economia, como no âmbito da política, subserviente aos interesses do Capital: “Não há alternativas”. Assim, se justificam planos de austeridade que sempre penalizam os mais pobres e as PECs, planejadas para transformar direitos sociais dos trabalhadores em despesas a serem evitadas. Os gerentes de governo e os meios de comunicação que os controlam falam em crise e nos preparam para o pior.
Nesse contexto, a nossa esperança pode ser alienada. Quem passa a vida jogando na loteria esperando um dia ganhar uma fortuna nunca analisa as raízes de sua esperança. É bonito ver pessoas que, contra tudo e contra todos os sinais, teimam em esperar o impossível. Elas mesmas não sabem porque esperam e de onde vem esse milagre de sempre esperar. Há um tipo de esperança que projeta um futuro melhor para fugir do presente pesado. Como, nos anos da ditadura, dizia a canção do Geraldo Vandré: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
O tipo de esperança proposto pelo evangelho é bem diferente. Não cruza os braços hoje à espera do amanhã. Faz da esperança força para agir agora na teimosia de crer que podemos transformar a realidade. A parte mais consciente da humanidade, assim como, nas diversas tradições espirituais, os homens e mulheres que optam por viver a fé são chamados, como diz a carta de Pedro: “a estar sempre prontos a prestar contas das razões de sua esperança” (1 Pd 3, 15). Aqui e agora.
Sem cair no lamento, nem na auto-piedade, assumir a responsabilidade de alimentar uma esperança viva e real é um desafio exigente. Essa esperança, enraizada na fé, não pode se basear em uma análise fria da realidade. Ela se fundamenta na confiança de que, mesmo o sistema mais iníquo e o império mais poderoso do mundo não conseguirão impedir a realização da promessa divina.
Nas Igrejas antigas, como a Igreja Católica, a Anglicana, a Luterana e a Metodista, esse último domingo de novembro marcou o início do tempo do Advento. São quatro semanas de preparação à festa do Natal. No entanto, de um modo mais profundo, o Advento é um tempo para reavivar em nós a esperança do reino de Deus e para nos dispor à proximidade de sua vinda. Nas celebrações desse domingo, o evangelho proclamado se referia à destruição do templo de Jerusalém, à queda da cidade e aos sinais que antecederiam ao que o povo habituou-se a chamar de “fim do mundo”. Desde antigamente, os cristãos aprenderam de que todos os sinais de destruição não bastam e o evangelho insiste em dizer: “ainda não é o fim”. Para quem tem fé, mesmo se tudo no mundo vai mal, Deus se revelará presente em forma humana e através de uma parte sadia da humanidade (é isso que significa no evangelho a figura misteriosa do Filho do Homem). Na realidade atual, os movimentos sociais, as comunidades de base, os grupos alternativos e toda parte da humanidade que busca um novo mundo possível representam essa manifestação divina intervindo no mundo. E dali surgirá uma nova esperança.
Alguém contou que, na língua alemã, há um modo lindo de afirmar que uma mulher está grávida. Diz-se que ela está “in der Hoffnung”, ou seja, está em esperança. De fato, é a esperança que dilata o útero da humanidade e o torna acolhedor e disponível à nova vida que virá. Essa esperança comprometida com a transformação do mundo e comprometedora do nosso agir hoje é sempre nova. Ela “dança na corda bamba de sombrinha”, como cantava Elis. Antecipa a hora e, como Dom Pedro Casaldáliga afirma em um de seus belos e profundos poemas, a esperança nos ensina a: “saber esperar ativamente aquilo que não nos permite apenas esperar”.
Obs: O autor é monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares.
É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 45 livros publicados no Brasil e em outros países.